Diante do pedido de prisão de Sarney e Renan, Roberto Rocha faz discurso forte alertando para o risco de criminalizar a política

 

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Roberto Rocha discute delação premiada e teme mentalidade justiceira na higienização política

Não poderia ter sido menor o impacto causado ontem pelo vazamento da informação de que o procurador geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão do ex-presidente José Sarney, do presidente do Senado e do Congresso nacional, senador alagoano Renan Calheiros, do senador roraimense Romero Jucá e do presidente afastado da Câmara Federal, deputado fluminense Eduardo Cunha – todos do PMDB -, os três primeiros por suposta tentativa de prejudicar a Operação Lava Jato e o quarto por obstrução da Justiça.  O País mergulhou na surpresa e na perplexidade, mesmo tendo ares recentes trazidos rumores nessa direção. O Congresso Nacional, em especial o Senado, entrou em parafuso. No meio político e nos bastidores do Judiciário essa possibilidade já era admitida em relação a Calheiros, a Jucá e a Cunha, e de certa maneira o próprio cidadão mais atento já trabalhava com a hipótese. A grande surpresa foi a inclusão do ex-presidente da República e quatro vezes presidente do Congresso Nacional José Sarney, de 86 anos e um dos políticos mais importante do país nas últimas décadas. Um dos motivos do choque é que a informação foi vazada de uma ação que tramita em “alto grau de sigilo”, o que causou uma reação indignada em congressistas e até nos bastidores do Supremo Tribunal Federal. O cenário político que marcou o Brasil nestes 7 de Junho contribuiu fortemente para o agravamento da crise política e institucional, desdobramento de dois anos de investigações, prisões e condenações, submetendo as instituições brasileiras a um duro teste de resistência. E no contexto de perplexidade e reações as mais diversas, o senador Roberto Rocha (PSB), contrariou a média e saiu do lugar comum com um discurso em que foi fundo na essência da crise. Começou criticando que definiu como “mentalidade punitiva e justiceira”, foi duro com o vazamento de informações sigilosas, e levantou sérias dúvidas sobre o uso excessivo das delações premiadas, que, suspeitou, poderiam, em alguns casos, ser motivadas por “expedientes abjetos”. Na sua avaliação, o uso de tais expedientes com o objetivo de “higienizar” a política “afronta as instituições”, como o Judiciário, que também começa a sofrer danos na credibilidade. Poucos pronunciamentos sobre a crise foram tão precisos quanto ao do senador maranhense. A Coluna publica-o na íntegra, por avaliar que ele contribui fortemente para a compreensão do Brasil e hoje:

Discurso do senador Roberto Rocha (PSB) no plenário do Senado Federal na tarde do dia 7 de junho de 2016

Senhor Presidente, Senhores Senadores, permitam-me trazer a esta tribuna uma breve reflexão sobre um aspecto que, por inédito, ainda não sabemos aquilatar o seu alcance. Refiro-me aos efeitos que vêm sendo criados com o crescimento de certa mentalidade punitiva e justiceira que se criou nos últimos anos, a partir das ações desencadeadas por inúmeras operações policiais.

Partindo da opinião do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, de que as operações ganharam autonomia própria – o que é saudável e desejável –, vale dizer: nenhuma força política pode deter os avanços que a sociedade aplaude e apoia, mas devemos estar alertas para alguns efeitos que corroem valores da política, quando não criminalizam a própria política.

O combustível da política é o diálogo. Para haver diálogo, há que haver confiança. Temos assistido nos últimos dias a ruptura desse princípio elementar, com a divulgação de conversas reservadas, reveladas a partir do gesto mais abjeto de traição e quebra de confiança.

Ainda que essas revelações possam ser consumidas com júbilo no mercado da política, elas apontam para algo preocupante, que deveríamos cuidar com a atenção que dedicamos aos fundamentos da civilidade mínima que garante a sobrevivência das diferenças. Nenhuma animosidade, nenhuma disputa política, nenhum contraste entre adversários pode estar acima do valor fundamental da confiança.

Custo crer que tenha havido algum tipo de incentivo, Senhor Presidente, ainda que velado, de agentes da Justiça, para que um investigado incrimine outras pessoas com expedientes tão abjetos.

Que os delatores se arrependam e confessem os seus crimes, que apontem os cúmplices, tudo isso é desejável. Mas não é cabível que, em nome de uma higienização da política, se afrontem valores nos quais se assenta toda a nossa concepção de sociedade.

De tal modo a traição é hedionda que o mais misericordioso dos homens, Jesus Cristo, afirmou sobre Judas que: “Ai daquele que por intermédio de quem o Filho do Homem está sendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido!”

Além disso, é bom que se diga, por mais moralizantes que sejam as intenções, ao se transformarem conversas privadas em espetáculo midiático, que o efeito acaba contribuindo para a maior desmoralização da vida pública, sem contar o flagrante desrespeito ao art. 5º da Constituição que diz expressamente que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.

Não admira que o índice de confiança social nas instituições políticas venha desabando a cada vez que é medido. Estamos criando um ambiente de desconfiança geral que, infelizmente, já vem atingindo até mesmo o Judiciário.

Faz lembrar, Senhor Presidente, o personagem Simão Bacamarte, do conto O Alienista, de Machado de Assis, que, ao investigar os limites entre a loucura e a razão, acabou concluindo que todo mundo, de uma forma ou de outra, carece de razão e, portanto, merece ser confinado. Ao final, na impossibilidade de internar toda a cidade, optou por internar-se ele próprio, como único representante da razão. Assim caminha nossa visão geral da política e das instituições.

A quem interessa alimentar esse cenário, senão àqueles que pregam saídas autoritárias? Quando permitimos que os valores da política sejam rebaixados, estamos abrindo as portas para soluções messiânicas, para o esgarçamento das relações sociais.

Repito: a política se faz com valores, não apenas com a administração de obras e projetos. Não pode haver política sem uma utopia partilhada e sem uma ética validada na experiência. O ambiente que estamos vivendo, infelizmente, corrói essas premissas. Precisamos devolver à política essa dimensão que a torna um imperativo da vida em sociedade.

Finalmente, digo para concluir, Senhor Presidente: não podemos nos regozijar com o clima punitivo, ainda que atinja adversários políticos, pois as vítimas somos todos nós cidadãos brasileiros. Ao afrouxarmos o respeito aos princípios constitucionais, estamos enfraquecendo o bem maior, que é a nossa democracia.

De tal modo que, respeitosamente, contrariando aquilo que disse há pouco o meu antecessor, contrastando aquilo que disse há pouco o meu antecessor, por quem tenho muito respeito, Senador Telmário (Mota – PDT/RR), que é adversário político do Senador Romero Jucá – lá no meu Maranhão, fazemos política também no campo oposto ao do Senador Sarney –, eu não me regozijo com o que está acontecendo.

Os adversários têm de ser respeitar e podem até ser amigos. Política se constrói unindo as pessoas e não separando as pessoas.

Eu, sinceramente, do que eu vi, do que ouvi, como todo brasileiro em relação àqueles áudios que envolvem o Senador Sarney e o Senador Renan, até onde eu ouvi, não vi nada que possa justificar medida tão drástica. Espero, sinceramente, que todos eles possam responder o quanto antes para provar a sua inocência.

Agora, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, se já é grave essa prática de ouvir as pessoas de forma clandestina, comprometendo a confiança e, consequentemente, o diálogo que pode levar à negação da política, porque, como disse, política se faz com diálogo e, para haver diálogo, é preciso confiança, se essa prática já é execrável, já é condenável, alguém poderia dizer que os fins justificam os meios e que, para se promover a higienização da política, é preciso fazer isso. Eu não concordo. Mas vamos admitir por hipótese.

Agora, o mais hediondo de tudo, o que eu acho que é inaceitável sob todos os aspectos, muito mais do que a prática sobre a qual falamos há pouco, é exatamente o vazamento seletivo daquilo que é dito como segredo de Justiça, de processo que corre em segredo de Justiça. O próprio advogado da parte não tem acesso ao processo, mas a imprensa tem, parte da imprensa tem, muitas vezes. E, aí, de forma seletiva, são divulgadas notícias que levam a essa sensação de constrangimento inclusive a esta Casa, como foi dito, a mais antiga e a mais importante da nossa República. 

Deixo, assim, essa reflexão, deixo aqui essa visão conceitual. Aqui não vai defesa de ninguém, porque há aqui Senadores, colegas que estão habilitados para fazer a sua própria defesa. Percebe-se claramente um ambiente de constrangimento no Senado Federal. Esperamos que este ambiente que está aí, levando essa desconfiança, seja superado com os fatos que possam ser trazidos a público.

Agradeço a confiança e deixo aqui essa reflexão aos meus colegas Senadores e Senadoras e ao povo brasileiro.

Muito obrigado.

 

PONTO & CONTRAPONTO

Sarney se diz perplexo, indignado e revoltado com pedido de prisão
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Sarney reclama do pedido de prisão e cobra respeito

O ex-presidente José Sarney reagiu com perplexidade, indignação e revolta à informação, vazada pelo jornal O Globo e segundo a qual o procurador geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal prisão dele, dos senadores Renan Calheiros e Romero Jucá e do deputado federal suspenso Eduardo Cunha, acusados de agir para obstruir a Justiça. Se o pedido for acatado pelo ministro-relator Teori Zavaski ou pelo plenário da Corte, os dois senadores e o deputado irão para a cadeia. Sarney, por razões não explicadas por O Globo, será submetido a prisão domiciliar e será monitorado por uma tornozeleira. Pelo teor da sua nota, o ex-presidente da República se sentiu ultrajado com o pedido, por entender que não cometeu crime algum nas conversas informais gravas por pelo ex-senador e ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, amigo da família que agiu como um “monstro moral”. Segue, na íntegra, a nota publicada pelo ex-presidente:

Estou perplexo, indignado e revoltado.

Dediquei sessenta anos de vida pública ao país e à defesa do Estado de Direito. Julguei que tivesse o respeito de autoridades do porte do Procurador Geral da República. Jamais agi para obstruir a Justiça. Sempre a prestigiei e a fortaleci. Prestei serviços ao país, o maior deles conduzir a transição para a democracia e a Elaboração da Constituição da República.

Filho de magistrado e membro do Ministério Público, mesmo antes da Constituição, promovi e sancionei leis que o beneficiam, inclusive a criação da Ação Civil Pública e as mudanças que o fortalecem, sob a liderança do Ministro Sepúlveda pertence, meu procurador geral e patrono do Ministério Público.

O Brasil conhece a minha trajetória, o meu cuidado no trato da coisa pública, a minha verdadeira devoção à Justiça, sob a égide do Supremo Tribunal Federal.

Para Dino, pedidos de prisão encerram ciclo na política brasileira
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Dino vê no pedido de prisão o fim de um ciclo

Não se pode afirmar que o pedido de prisão de José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá e Eduardo Cunha, feito pelo procurador geral da República, Rodrigo Junot, tenha causado algum tipo de preocupação no governador Flávio Dino (PCdoB), como também não é possível afirmar que o chefe do Executivo maranhense festejado a informação vazada deum processo sob “alto grau de sigilo”. Dino parece ter-se esforçado para não externar qualquer reação passível de interpretações injustas, e por isso mesmo foi frio e seco, principalmente em relação ao senador José Sarney. Vale anotar que as declarações registradas pelo blog do competente e experiente jornalista Jorge Vieira não foram iniciativa do governador, mas respostas às perguntas que lhe foram dirigidas sobre o assunto.

Se se interessar muito pelo fato em si e suas repercussões, o governador Flávio Dino interpretou a iniciativa do procurador geral de Justiça como mais um traço forte no rascunho de uma nova fase na política brasileira, como a fase terminal de um regime político nascido com o fim da ditadura militar.

– A partir da devassa que a operação Lava Jato tem promovido em vários setores da política brasileira é necessário ter a capacidade de constituir novos blocos, novas lideranças, talvez novos partidos, para que nós possamos recompor as instituições brasileiras porque acho que o pano de fundo é que a democracia perdeu completamente sua funcionalidade porque enquanto lideranças que são bastante influentes, como o senador José Sarney, Renan e Jucá são alvo de pedido de prisão é sinal que nós temos uma crise, a meu ver, terminal deste sistema político – avaliou o governador.

E completa sua avaliação: “Eles são figuras conhecidas dessa política tradicional e para os maranhenses não é algo que surpreenda porque nós sabemos que infelizmente há muito tempo essas lideranças políticas, no caso do Maranhão o senador José Sarney, tem se dedicado a um tipo de política em que a má utilização dos recursos públicos tem sido uma constante”.

E terminou avaliando a decisão da PGR: “É algo assustador e impactante para todos aqueles que acompanham a política, mas ao mesmo tempo acha que sinaliza a esperança de uma renovação da política brasileira, de novas práticas, novas posturas”.

 

São Luís, 07 de Junho de 2016.

 

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