O presidente Jair Bolsonaro (PSL) passou parte do seu fim de semana se esforçando para reverter o tiro no pé que disparara quando atacou duramente o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), numa infeliz “conversa de um minuto” com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, momentos antes de conceder uma também infeliz entrevista a correspondentes estrangeiros, num café da manhã no Palácio do Planalto, na quinta-feira (18). O presidente foi em cima, foi embaixo e fez rodeios para, pelo menos, minimizar o destrambelho, mas tudo o que conseguiu foi agravá-lo. Tivesse controlado a língua após atacar o governador no campo político, o presidente poderia se valer do argumento segundo o qual não atacou os nordestinos, mas apenas emitiu uma opinião sobre um chefe do Estado, e poderia ter-se safado. Mas suas contraditórias explicações e ponderações não mudaram o ponto mais grave das suas controversas declarações, a nítida, agressiva e indesculpável ordem de retaliação “Não tem que ter nada com esse cara”.
A frase dita ao chefe da Casa Civil soou a todos, com nitidez irreparável, como uma ordem do presidente ao ministro no sentido de fechar portas do Governo Central ao governador do Maranhão. O “Não tem que ter nada com esse cara” teve o tom retaliação bruta, pura e simples, sem contemplação, como uma espécie de sentença. Rebento político de uma direita esclarecida do Rio Grande do Sul, que conheceu o governador Flávio Dino no convívio da Câmara Federal e certamente está informado a respeito do Governo bem-sucedido que realiza no Maranhão, o ministro Onyx Lorenzoni nada rebateu, mas certamente interpretou a recomendação grotesca do chefe como uma ordem ilegal, que não pode ser cumprida exatamente por ferir de morte o princípio constitucional da impessoalidade que deve nortear a conduta do presidente da República. Não há outra interpretação para as palavras do presidente Jair Bolsonaro, que ignorou total e agressivamente a regra da Carta Magna e a “liturgia do cargo”, sempre defendida pelo ex-presidente José Sarney, o mais cioso dos seus antecessores.
Por seu turno, o governador Flávio Dino, desde a primeira hora, reagiu com a razão e o pragmatismo de um político consciente e candidato a estadista. Foi duro no rebate, mas não usou uma palavra ou frase que agredisse a pele institucional nem a integridade pessoal do presidente da República. Suas respostas foram cirúrgicas, temáticas, todas focadas na agressão ao princípio federativo e aspecto político. Disse, com propriedade, que o presidente afrontou o Nordeste e o povo maranhense, e declarou que se sentia honrado ao ser apontado como “o pior” pelo chefe da Nação. E depois chamou a atenção para o fato de o presidente ainda se manter no palanque e alimentar um discurso de ódio, quando deveria estar governando. Sua reação em nada agrediu o mandato ou a pessoa de Jair Bolsonaro.
Medidas e pesadas em balança de precisão, no campo político, o governador Flávio Dino foi o grande beneficiário da infeliz “conversa de um minuto” do presidente da República com o chefe da Casa Civil. Com seu ataque, o presidente Jair Bolsonaro o tirou da calçada do debate sobre a corrida presidencial e colocado na sala principal, dando-lhe o status de adversário de grande importância. Afinal, qualquer líder oposicionista inteligente se sentiria nas nuvens e encorajado se ouvisse do presidente que “ele é o pior”. Isso porque, está na cara, o presidente Jair Bolsonaro não classificou o governador do Maranhão pelo seu desempenho administrativo, exatamente porque sabe que o “comunista” realiza uma obra de Governo invejável, com absoluta correção administrativa, sem parentes ocupando cargos de ponta, com foco no social, cuidando das pessoas, apesar das imensas dificuldades financeiras que enfrenta.
Assim, quando sentencia com o “Tem que ter nada com esse cara”, o presidente atenta contra o Governo de um Estado membro da Federação brasileira, com sete milhões de habitantes – o equivalente a quase 3% da população – e que precisa muito do suporte efetivo e obrigatório da União e não da boa vontade ou condescendência do inquilino eventual do Palácio do Planalto. Como ex-juiz federal, o governador Flávio Dino conhece o caminho das pedras, podendo, se quiser, buscar reparação na Justiça contra o crime de impessoalidade praticado por Jair Bolsonaro.
PONTO & CONTRAPONTO
Agressão de militante do MBL confirma que Flávio Dino está mesmo ganhando estatura política
O governador Flávio Dino foi achacado por um jovem militante do Movimento Brasil Livre (MBL), assumidamente de direita e que hoje forma de apoio do presidente Jair Bolsonaro nas ruas. O ataque foi agressivo. O rapaz não respeitou o fato de o governador estar com filhos pequenos – um deles chegou a chorar diante da maneira agressiva como o jovem abordou seu pai. Na abordagem, o militante do MBL disse algumas bobagens e criticou o governador por causa dos “1.800 concursados que não foram chamados”, e também cobrou do governador o fato de ele ter viajado em avião de carreira e não em táxi aéreo pago pelo Governo. Os dois pontos usados no ataque revelam que o jovem atuou como bucha e não entendeu direito o que lhe mandaram fazer. O uso político dos “1.800 concursados que não foram chamados” é golpe baixo, porque as vagas abertas no edital do concurso foram preenchidas, e o que chamam de “concursados” são excedentes que estão sendo chamados de acordo com o surgimento de vagas. O fato de o governador viajar com familiares em avião de carreira é auspicioso, e ao fazer o questionamento, o jovem do MBL demonstrou que não sabia mesmo o que estava fazendo.
O caso em si não tem qualquer importância além da abordagem inoportuna. Mas ganha enorme dimensão quando se avalia que a ação do militante do MBL é um reflexo direto da importância política que o governador Flávio Dino vem ganhando no cenário nacional.
REGISTRO
Pedro Leonel Pinto de Carvalho partiu eternizado como um gênio da advocacia
O Maranhão perdeu mais um gigante. Agora se foi Pedro Leonel Pinto de Carvalho (82), sem favor um dos dez melhores processualistas da sua geração em todo o Brasil, craque em Direito Civil. Pedro Leonel Pinto de Carvalho pode ser identificado como bom e competente em várias outras atividades – radialista e cronista, por exemplo -, mas o seu forte foi o Direito, que usou como um gênio no exercício da advocacia e como um sábio no magistério superior como professor reverenciado por várias gerações de advogados que saíram da UFMA. Era um intelectual refinado, de cultura vastíssima, que abrangia a literatura – falava com facilidade dos clássicos -, a música – conhecia os grandes mestres da música erudita, com paixão especial pela ópera -, e foi um apreciador exigente de boa mesa e de bons vinhos.
Pedro Leonel Pinto de Carvalho foi também procurador do Estado e se destacou como procurador Geral no Governo de João Castelo, quando teve forte atuação política, apesar da natureza jurídica do seu cargo. Defensor intransigente daquele Governo, fez dupla com o gênio político de José Burnet, então chefe da Casa Civil, como conselheiro político do então governador. Notabilizou-se como uma das mais ativas vozes antisarneysistas, mesmo tendo o conselheiro Emiliano Macieira (TCE) como um dos seus amigos mais próximos. Ideologicamente, militou na direita esclarecida, que combatia implacavelmente o comunismo e sentia ojeriza a regimes ditatoriais.
Mas foi na advocacia que Pedro Leonel Pinto de Carvalho ganhou a estatura de gigante. Nos anos 80 do século passado, ele quebrou um tabu então vigente em todo o Brasil: ninguém conseguia enquadrar judicialmente um banco. Foi da sua lavra uma Ação Civil contra o Banco da Amazônia, movida por um cliente que se sentiu lesado numa operação. A Justiça lhe deu ganho de causa e o Basa teve de indenizar o correntista. A sentença ganhou peso de jurisprudência e desencadeou uma onda de ações nesse sentido em todo o País, assombrando a até então poderosa, inatingível e arrogante Federação Brasileira de Bancos – Febraban, que o colocou na condição de inimigo nº 1, transformando-o numa celebridade no meio advocatício. O caso foi uma das incontáveis vitórias judiciais que contabilizou ao longo de mais de sete décadas de militância na advocacia.
São, portanto, mais que justas as homenagens que seus contemporâneos estão lhe prestando.
São Luís, 23 de Julho de 2019.