Numa decisão surpreendente, que muitos veem como um passo coerente, mas outros interpretam como um baita retrocesso, o Tribunal de Justiça decidiu, quarta-feira (21), em sessão administrativa, extinguir o Órgão Especial, que vinha funcionando como instância máxima do Poder Judiciário do Maranhão. A extinção se deu por decisão unânime, menos de dois anos depois de o Órgão Especial ter sido implantado como uma inovação que revolucionaria o funcionamento da corte maior, dando-lhe mais celeridade, num processo de decisão mais seletivo. Pela nova estrutura, os 27 desembargadores foram divididos, com 17 deles integrando o Órgão Especial e os demais compondo as Câmaras Cíveis e Reunidas. A revolução, que era vista como o mais marcante toque inovador da gestão da desembargadora-presidente Cleonice Freire, foi riscado do organograma do TJ exatamente no momento em que a magistrada se prepara para deixar o cargo, agora com seu projeto desmontado.
O Órgão Especial foi criado Lei Complementar n° 160/2013, aprovada pela Assembleia legislativa em novembro daquele ano, e implantado no início de 2014. Sua criação foi proposta pela então presidente eleita do Tribunal de Justiça, desembargadora Cleonice Freire, inspirada na estrutura de outros Tribunais estaduais, como o de São Paulo e o do Rio Grande do Sul. E o argumento foi de que o Pleno, que reunia os 27 desembargadores, havia se tornado uma corte lenta, morosa, que consumia muito tempo numa única votação. Às vezes, um processo simples, como um ato administrativo de transferência de um juiz, levava mais tempo para ser julgado do que o processo de cassação de prefeito, por exemplo, numa sessão jurisdicional. Com a mudança, parte dos desembargadores passou a integrar a nova corte e a outra parte foi distribuída nas Câmaras Reunidas. O antigo Tribunal Pleno, composto por todos os desembargadores, passou a se reunir apenas para julgar processos de natureza constitucional e para a eleger de desembargador e de membros do comando da instituição.
Mas se, de um lado, o Órgão Especial surgiu como a grande a pedra de toque de um grande processo de inovação, demonstrando agilidade nos seus julgamentos e passando a impressão de que o TJ/MA havia colocado o pé numa nova era, por outro sua implantação causou um grande mal-estar entre os desembargadores. A ponto de nos bastidores os integrantes do Órgão Especial serem apontados como “desembargadores de primeira” e os das Câmaras Reunidas de “desembargadores de segunda”. Isso num ambiente onde os brios e a vaidade são fortemente alimentados e, por conta disso, a tensão e os embates – que aqui e ali fogem do padrão de civilidade exigido numa corte de Justiça –, a do Órgão Especial deixou de ser uma solução para se tornar um problema. A situação chegou a tal ponto, que algumas vezes em que faltou quórum, desembargadores das Câmaras não aceitaram ser convocados para substituir os faltosos. Houve situações em que o quórum só foi composto depois de muita diplomacia por parte da presidente, uma vez que os desembargadores substitutos se negavam a atender às convocações.
Diante de tal situação, alguns desembargadores que enxergaram cedo que em vez de solução a nova instância máxima do Judiciário estava se transformado numa espécie de pomo da discórdia nos bastidores do Palácio Clóvis Bevilácqua. Por volta de junho, numa sessão animada por embates entre desembargadores, um deles, Lourival Serejo, considerado por todos como um magistrado equilibrado e pouco dado a arroubos temperamentais, pediu a palavra e pregou: “O problema aqui é o Órgão Especial. Ele tem de ser extinto. Sua existência não faz nenhum sentido”. Outros desembargadores já haviam manifestado esse pensamento, só que de maneira menos eloquente, entrecortando votos. A fala de Lourival Serejo teve o peso de uma poderosa catilinária que seria repetida, consolidando a condenação de um ente judiciário antes visto como revolucionário.
A sentença de morte do Órgão Especial foi decretada na manhã de quarta-feira, quando em sessão administrativa ele próprio se matou, numa decisão unânime dos seus integrantes. A execução da sentença será feita pela Assembleia Legislativa, quando aprovar o projeto de lei que ressuscitará o Tribunal Pleno, composto por todos os 27 desembargadores maranhenses. E com a ironia de que a sessão que o sentenciou de morte foi presidida pela presidente que o implantou, que entrará para a história com o mérito da inovação, mas também com o peso do retrocesso.
Com a extinção do Órgão Especial e a restauração do Tribunal Pleno, todas as atribuições e competências administrativas e jurisdicionais transferidas ao sacrificado e serão retomadas ao ressuscitado. E a mudança efetiva se dará em nova direção, sob o comando do futuro presidente, desembargador Cleones Cunha, que sempre cauteloso nunca deixou muito clara sua opinião sobre a corte extinta.
POTOS & CONTRAPONTOS
Mudança progressiva
A proposta de extinção foi feita por um grupo de desembargadores – entre eles Lourival Serejo (foto) – o que mais pregou a extinção – e aclamada na sessão, sob os argumentos de garantir a participação de todos nas decisões administrativas e jurisdicionais de interesse da sociedade e do próprio Tribunal de Justiça. A desembargadora-presidente Cleonice Freire, que implantou e defendeu a inovação o quanto pôde, não viu outro caminho que não acompanhar a voz da maioria pela restauração. Cleonice Freire, no entanto, a defendeu a participação de todos os membros da Corte nas discussões e decisões que definem o destino do Judiciário. “A experiência de todos os membros da Corte vão enriquecer as decisões”, frisou, num discurso bem difere daquele com que defendeu a implantação do Órgão especial no início de sua gestão, em 2014.
Vai melhorar mesmo?
Inicialmente simpático – pero no mucho – à existência do Órgão Especial, certo de que ele daria mais agilidade ao processo de decisão na mais alta instância da Justiça maranhense, o desembargador José Luiz Almeida (foto) foi mudando de opinião à medida que os problemas – como a falta de quórum, por exemplo – foram se avolumando. No diz em que o Órgão Especial foi inapelavelmente, com o seu voto, o magistrado, que não é de fazer concessões, avaliou que o objetivo da extinção é atender às demandas da sociedade e sugeriu a adoção de medidas para que as sessões plenárias funcionem com maior agilidade e fluidez. Experiente, o desembargador sabe que não será tão simples assim num judiciário em que o numero de desembargadores e de juízes é insuficiente.
São Luís, 23 de Outubro de 2015.