Comunismo? Não, graças a Deus!

 

 

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Flávio Dino e a marca do PCdoB

 

Os dois primeiros meses do novo governo estadual responderam uma indagação que permeara a campanha eleitoral de 2014 e ensejara vários embates de natureza puramente ideológica entre os candidatos a governador. Ao contrário do que muitos imaginavam, alguns com certa apreensão, o novo governador, Flávio Dino, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), não vai mesmo implantar o comunismo no Maranhão, nem mergulhar numa aventura do tipo “bolivariana”, como a que vem desgraçando a Venezuela. E, pelo visto até agora, não adotará sequer medidas que tenham alguma relação com os postulados doutrinários e programáticos do Partidão, como a implantação da “ditadura do proletariado” e a “supressão da livre iniciativa e da propriedade privada”, por exemplo.

Em vez de atuar como um militante da esquerda radical, o governador vem encarnando claramente o legalismo que marcou sua atuação como magistrado e também deputado federal (2007/2011). Abraça – sabe-se que com muitas reservas pontuais – os ditames da Carta Magna que tornam o Brasil uma democracia plena no que respeita ao estado de direito. E tem se mostrado um defensor intransigente de uma luta, não do proletariado contra a burguesia – como pregam ainda alguns do ramo da esquerda surreal -, mas de mudanças que venham a transformar o Maranhão num “estado mais rico, mais justo, mais fraterno e menos desigual”.

 

Um exame atento das entrelinhas dos seus discursos indica que o governador Flávio Dino é, de fato, ideologicamente de esquerda, embora não se tenha elementos seguros para medir o grau desse esquerdismo. Comunista genuíno, daqueles que pregam que a “propriedade é um roubo” e a ditadura de partido único, ele não é, definitivamente – a menos que esconda sua verdadeira identidade ideológica, o que é improvável. Parece navegar nas ondas de um socialismo moderado ou de uma socialdemocracia avançada, cujos postulados programáticos podem se encaixar sem conflitos no arcabouço institucional de uma democracia liberal. Em nada, portanto, se parece com os seus 13 antecessores dos 50 anos de hegemonia sarneysista, na maioria militantes de direita, uns mais conservadores e outros mais liberais, e uns poucos com posições de centro e de esquerda.

Primeiro desse grupo, José Sarney (PSD/Arena/Frente Liberal/PMDB) é um político difícil de ser definido ideologicamente, flertou com a esquerda na juventude, mas se direcionou para a direita, com momentos mais ao centro, mais liberal, e outros mais à direta, mais conservador, parecendo na média um liberal, mas com sinais direitistas bem definidos. Antônio Dino (Arena) foi um político de centro tendendo ao conservadorismo. Pedro Neiva (Arena) foi da direita conservadora. Nunes Freire (Arena) expressou com ênfase a direita linha-dura. João Castelo (Arena/PFL/PSDB) é da direita que flerta com o centro, mas não avança. Ivar Saldanha (Arena e PDS) foi da direita simbolizada pelo vitorinismo. Luiz Rocha (Arena/PFL/PSDB) foi líder estudantil com um pé na esquerda, navegou décadas na direita e terminou flertando com o centro vestido de tucano. Epitácio Cafeteira (PMDB/PTB) é um político de centro, com visão ora conservadora, ora liberal. João Alberto (PCB/Arena/PMDB) sempre trilhou no centro, mas com um pé na esquerda moderada – começou a vida política no Partidão como presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro. Edison Lobão (Arena/PFL/PMDB) é um expoente da direita liberal, culta e esclarecida. Ribamar Fiquene (Arena/DEM) foi também da direita esclarecida. Roseana Sarney (Arena/PFL/PMDB) é uma esfinge ideológica como o pai, com arroubos ao centro e à direita. José Reinaldo (Arena/PFL/DEM/PTB/PSB) é também exemplar da direita liberal e esclarecida, que vem evoluindo para o centro vestido de socialista. Expoente do “socialismo moreno” pregado por Leonel Brizola, Jackson Lago (MDB/PDT) foi o único esquerdista autêntico entre 12 antecessores de Flávio Dino desde Sarney, evidenciando sua posição na sua relação com Leonel Brizola e na parceria que tentou costurar com o bolivariano Hugo Chaves, por exemplo.

Nesses 50 anos, portanto, a visão de direita, nos seus mais diversos vieses, predominou entre os governadores maranhenses. Flávio Dino segue Jackson Lago na quebra desse paradigma, com a diferença de que nem de longe o novo governador parece nutrir simpatia cega pelas ditaduras comunistas de Cuba e da Coréia do Norte – aqui e ali formalmente festejadas por seu partido, o PCdoB – nem pelo arremedo de revolução esquerdista que inferniza a Venezuela. Dino se fez político pelo pedregoso e saudável caminho do movimento estudantil, no qual abraçou os postulados de esquerda e entrou no PT, de onde saiu, não por divergências ideológicas ou doutrinárias, mas por circunstâncias e conveniências, para se filiar ao PCdoB.

Nessa aquarela ideológica que ainda mantém confuso o universo partidário brasileiro, o comunista Flávio Dino parece confortável na democracia representativa e liberal, em cujos limites poderá, se quiser mesmo, promover reformas radicais na educação, na saúde, na segurança pública, na infraestrutura, na agricultura e na própria estrutura do Poder Executivo, de modo a justificar o seu discurso mudancista. Essa busca do bem-estar social pela eficiência do Estado é, ao mesmo tempo, princípio e ponto programático básico de qualquer partido de esquerda. E é esse conjunto de itens que dá forma ao grande desafio que o governador tem de vencer. Afinal, foi essa a principal promessa de campanha, referendada por 63% dos eleitores, a maior votação proporcional de todo o país nas eleições de 2014.

O que o governador apresentou até agora como programa de governo tem forte foco social, mas nem de longe lembra um projeto genuíno de esquerda, menos ainda inspirado nos postulados comunistas. Isso não significa que ele ande na contramão dos seus ideais ideológicos e doutrinários. O seu legalismo cultural o faz dançar conforme a música em voga no país, pois não faria sentido nadar contra a maré, já que as regras institucionais brasileiras garantem o estado democrático de direito pleno, não permitindo aventuras que as contrariem.

Vale lembrar que durante a campanha, ao ser inúmeras vezes indagado se implantaria o comunismo no Maranhão, o candidato Flávio Dino foi cuidadoso e hábil nas respostas para negar com veemência qualquer possibilidade naquela direção. sem, no entanto, deixar seu partido, o PCdoB, no desconforto dos rejeitados. E com um dado relevante: se revelou um católico fervoroso, daqueles que usam cruz de madeira no pescoço, o que o afasta do ateísmo que embala os marxistas mais rigorosos, como leninistas, trotskistas, maoístas, e por aí vai. E é oportuno acrescentar que também nesse caso o governador confirmou o candidato.

Livres – pelo menos até aqui – de uma aventura esquerdista num cenário institucional democrático, os maranhenses torcem para que, independente da sua orientação ideológica, seja o governador um arauto da democracia representativa, garantida pelo voto secreto e universal e pelo pluralismo partidário e defensor intransigente do estado democrático de direito, de instituições sólidas e de mecanismos que inibam qualquer tentativa de mudá-las. Que continue assim, trilhando na linha do que reza o primeiro artigo da Constituição da República: 1 – “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel de Estados, Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político; Parágrafo Único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente nos termos desta Constituição”.

 

PONTOS & CONTRAPONTOS

 

Bem situado

O senador Roberto Rocha (PSB) nem bem desembarcou no Senado já articulou como parlamentar experiente para participar das Comissões mais importantes da Casa. Com a manha das raposas e respaldado pelo seu partido, Rocha se tornou titular da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a mais importante de todas, e da Comissão de Educação, Cultura e Esportes, que ganhou muito peso com a Copa do Mundo e com as Olimpíadas que estão a caminho. É também suplente da Comissão de Assuntos Econômicos, da Comissão de Assuntos Sociais, da Comissão de Serviços e Infraestrutura, que é muito cobiçada, e da Comissão de Meio Ambiente, Consumidor e Fiscalização e Controle, que é muito movimentada. Ao ocupar esses espaços, o novo senador dá mostras de que sabe o que quer na Casa e onde pretende chegar com o mandato senatorial.

 

Comando firme

O senador João Alberto Souza (PMDB) é titular da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática, e suplente da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo. Sua participação restrita nas Comissões Permanentes do Senado se deve ao fato de maranhense ter sido escolhido para presidir o politicamente complicado, poderoso e decisivo Conselho de Ética do Senado, cargo que todos os senadores aspiram, mas que são poucos os que têm força e independência para assumir e comandar de fato. João Alberto preside o órgão pela quinta vez. Em princípio, ele estava inclinado a não aceitar o fardo, mas foi fortemente pressionado pela bancada do PMDB, o que o fez recuar e aceitá-lo.

 

De longe

O senador Edison Lobão (PMDB) só aparece até agora como suplente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática. Provavelmente preferiu ficar na articulação política, longe dos holofotes, depois de quatro anos na pauleira do Ministério de Minas e Energia, onde teve de administrar os gigantescos problemas do setor elétrico e das encrencas monumentais do setor de combustíveis, em especial a crise na Petrobras. Há, porém, muitos cargos de titular e suplente nas mais diversas comissões, podendo alguns dos quais vir a ser ocupados pelo senador maranhense. Aguarda-se uma melhor definição.

 

Guerra do Anzol

A posse, na semana passada, do suplente Fernando Furtado (PCdoB) no mandato de deputado estadual, na vaga do deputado Bira do Pindaré (PSB), que foi para o governo, abre caminho para o que alguns já batizam de “Guerra do Anzol”. Esses acreditam que não vai demorar muito a troca de arpoadas entre Furtado e seus colegas Edson Araújo (PSL) e Júnior Verde (PRB), pelo fato se serem os três autoproclamados representantes dos pescadores maranhenses. No meio desse cenário de eventuais confrontos estão os recursos do seguro-defeso, que garante aos pescadores devidamente registrados e cadastrados pelo Ministério da Pesca quatro meses de salário durante a Iracema – época da reprodução em que é proibido pescar. Além das diferenças políticas, o motor da tensão é denúncia de que o seguro-defeso foi ampla e ilegalmente usado para benefício eleitoreiro no Maranhão, num esquema supostamente montado pelo Ministério da Pesca, envolvendo o deputado federal Cléber Verde (PRB). Para se ter uma ideia do tamanho da confusão, já haveria provas de que milhares de pessoas que nunca viram um anzol e nem chegaram perto de rio ou mar, ganharam carteirinha de pescador e recebem o rico dinheirinho do defeso.

 

Informe

A coluna será publicada de terça-feira a domingo, valendo o post de hoje para segunda-feira.

 

São Luís, 28 de fevereiro de 2015.

 

 

2 comentários sobre “Comunismo? Não, graças a Deus!

  1. A posição de Flávio é radiante, principalmente quando se sabe que a proposta de implantação do comunismo em sua concepção originária – em Marx – não decorreria de uma reforma política ou revolução golpista, mas simplesmente seria um caminho a ser conduzido pela própria sociedade, que teria no comunismo a única saída para a supressão da ordem capitalista vigente. Não digo com isso que concordo com Marx. Talvez aí esteja o motivo do fracasso das tentativas de implantação do sistema comunista ao longo da história, mas a discussão é grande. Deixemos para os especialistas (Risos). Bom trabalho, chefe! Um abraço.

  2. Salve meu eterno mestre Ribamar Corrêa! Muito bom poder manter contato, mesmo que virtualmente, com um dos melhores jornalistas políticos do nosso tempo. Parabéns pelo blog e pelas aulas diárias de jornalismo. Sucesso à coluna Repórter Tempo e ao seu criador. Abraços.

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