Muita gente anda se escandalizando com decisões judiciais que estão alcançando pessoas importantes ou ligadas a elas no âmbito das operações que investigam e põem a nu denúncias de corrupção na máquina pública, como a Operação Lava Jato, a mais ampla, abrangente e espetacular já realizada e que, com todos os seus eventuais tropeços, está mudando a feição do Brasil. A bola da vez defendida pelos inconformados é Luis Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, que está sob investigação na Operação Zelote – um braço da Lava Jato no campo fiscal – por suspeita de fazer tráfico de influência no Governo Federal e receber por isso boladas milionárias de empresas ligadas aos esportes. O simples fato de ele ter sido notificado para prestar depoimento na semana que vem foi recebido pelo governo central, pela cúpula do PT e por amigos e familiares dele como uma afronta, uma tentativa de desmoralizar o ex-presidente, como se a Justiça Federal, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF), responsáveis pela investigação e pela notificação, se movessem pela velha regra do “isso pode, isso não pode”. Isso ficou claro em situações envolvendo personalidades políticas maranhenses.
A Constituição Federal, com sua veia cidadã, é clara: a lei é para todos, sem nenhuma exceção, e ponto final. O melhor exemplo disso é que um dos maiores ícones da esquerda continental e da luta contra a ditadura, um dos fundadores do PT e formulador dos governos de Lula, José Dirceu está na cadeia, condenado por corrupção no mensalão, e pode agora ser enquadrado também no petrolão – há quem diga que a condenação é injusta, que ele foi acusado sem provas e tal, mas o fato é que Dirceu não conseguiu desmontar a acusação. No mesmo patamar está o empresário Marcelo Odebrecht, o todo poderoso dono e chefe maior da Norberto Odebrecht, o gigantesco conglomerado da construção civil da América Latina, que também está na cadeia na condição de armador do esquema de corrupção na Petrobras. Difícil, portanto, aceitar o argumento de perseguição, pois esses dois exemplos reduzem essa suspeita a quase zero.
Não há como livrar o filho de Lula de pelo menos dar uma explicação convincente à PF e ao país. As investigações identificaram uma relação suspeita da empresa dele, a LFT Marketing Esportivo, com a Touchdown Marketing Esportivo, envolvendo quantias milionárias aparentemente sem prestação de serviço algum e indícios de tráfico de influência no Palácio do Planalto. E agora Luis Cláudio Lula terá de explicar a origem e o motivo dos depósitos de mais de R$ 2 milhões na conta da sua empresa. É simples. Basta que ele informe corretamente, com comprovantes fiscais – notas fiscais relatando os serviços e os valores cobrados – e tudo estará resolvido. Se fizer isso, como manda a lei, o filho de Lula sairá do processo investigatório limpo, com autoridade até para buscar reparação por danos morais e dando a seu pai mais argumentos para reforçar seu discurso político. Do contrário, o caso poderá resultar numa tragédia moral, ética e política para a família Lula da Silva, especialmente para o ex-presidente. E não pode ser de outra maneira.
A ex-governadora Roseana Sarney já viveu situações como essa. No Caso Lunus, a parte maranhense de uma gigantesca operação, ocorrida em março de 2002, que investigou suspeitas de corrupção na Sudam, ela prestou depoimento na sede local da Polícia Federal, no Anil. A pedido dos seus advogados, seu depoimento ocorreu à noite, para evitar tumultos com a imprensa. Há notícia de que os delegados foram muito duros nas indagações, mas ela, então senadora da República, deu as explicações em relação à reunião da Sudam e outros itens da investigação. Mais de um ano depois foi inocentada pela Justiça, inclusive recebendo de volta, nota sobre nota, a bolada que a PF confiscou no escritório da Lunus.
Agora, na Lava Jato, já como ex-governadora, Roseana prestou depoimento em Brasília. Corre nos bastidores políticos que, por falta de elementos, o interrogatório foi ameno e tranquilo e que ela saiu-se muito bem nas respostas, fragilizando fortemente a acusação. E é bem provável que saia ilesa do caso. E no final da semana passada, a Coluna foi informada de que Roseana Sarney estaria sendo notificada para prestar depoimento no Caso do Precatório da Constran, que levou o empresário João Abreu, influente chefe da Casa Civil no governo dela, para a prisão preventiva, que cumpre em casa. Não houve como confirmar a informação da notificação porque o caso corre em segredo de Justiça.
O mesmo acontece na Operação Lava Jato com o senador Edison Lobão (PMDB), alvo de acusações no polêmico e controvertido processo de delação premiada, no qual bandidos contam o que sabem, ou o que querem, dedurando supostos envolvidos, para ganhar redução de pena. Consciente de que a lei é para todos, Lobão vem cumprindo rigorosamente todas as etapas, sem fazer alarde nem papel de vítima. Prestou depoimento à Polícia Federal, contestou as acusações e agora aguarda o desfecho do caso, estimulado pelo fato de que até o momento nada do que os delatores disseram se confirmou.
Não há, portanto, como tentar politizar processo. O que os acusados têm de fazer é contestar a acusação e provar que são inocentes ou, dependendo da situação, exigir que os delatores provem o que disseram. Nada além disso.
PONTOS & CONTRAPONTOS
Lá fora é assim I
A caça a corruptos ganha força em todo mundo. Na França, por exemplo, o ex-presidente Nicolai Sarkozy – que gravou uma mensagem parabenizando Lula no dia do seu aniversário, data também em que Luis Cláudio Lula foi notificado -, apareceu como suspeito de desvio. Não deu outra: o Ministério Público pediu a investigação e a Polícia francesa não perdeu tempo, e menos de um mês depois Sarkozy desceu do alto do seu prestígio, e como cidadão comum foi a uma delegacia de polícia encarar um duro interrogatório, no qual deu as explicações que podia dar. O caso ainda está rolando na Justiça francesa, muito embora já se saiba que o ex-presidente deve sair ileso, devendo até tentar voltar ao Palácio Eliseu daqui a dois anos.
Lá fora é assim II
No ano passado, Portugal entrou em estado de choque com a prisão, por suspeita de corrupção, do ex-primeiro-ministro José Sócrates, do Partido Socialista. Um dos mais notáveis políticos da geração pós-Revolução dos Cravos e um dos ícones da nova esquerda europeia, Sócrates foi acusado de manter relações promíscuas com empreiteiras portuguesas e brasileiras – Odebrecht e Andrade Gutierres -, que resultaram na compra de um belo apartamento em bairro chique de Paris e em outras vantagens financeiras. Diante das evidências, a Justiça mandou prendê-lo, causando uma comoção contida em Portugal. Durante as semanas seguintes, não se falou em outra coisa no país. Em Lisboa, nas rodas de conversa, grupos pró e contra Sócrates debateram freneticamente, quase indo às vias de fato. E mesmo alguns comentaristas que defenderam o ex-primeiro-ministro, não ousaram acusar o Ministério Público e a Polícia de agirem politicamente. Lá também promotor e juiz responsáveis pelo caso viraram celebridades, como Sérgio Moro.
Lá fora é assim III
Recentemente, a pequena Guatemala, Otto Pérez Molina, onde a democracia se instalou de vez, depôs o presidente da República por envolvimento num esquema de corrupção. A ação da Polícia, do Ministério Público, da Justiça e do Congresso Nacional de lá foi exemplar: diante das provas, o presidente foi processado e condenado em processo fulminante. Renunciou antes da conclusão do processo, mas f ei preso após entregar a faixa.
São Luís, 01 de Novembro de 2015.