O Maranhão é rico de história, mas, contraditoriamente, tem uma memória registrada muito pobre. São escassos os apanhados que resgatam momentos da trajetória dos maranhenses nos diferentes aspectos que envolvem essa caminhada. Uns documentam situações e episódios importantes, outros dão dimensão adequada, ainda que frágil, a personagens as mais diversos, produzindo rascunhos cuja utilidade maior é servir de ponto de partida para quem se dispuser a mergulhar e reconstruir a verdade à tona. Um caminho para se resgatar a memória e compreender o Maranhão de pouco tempo atrás e que gerou o Maranhão de agora e o que vem por aí foi aberto pelo jornalista Félix Alberto Lima nas surpreendentes, impactantes e comoventes 188 páginas de Maio oito meia, crônica de uma geração em movimento, um registro de momentos, movimentos, eventos, atitudes, posicionamentos e passos decisivos que transformaram o Campus do Bacanga, da Universidade Federal do Maranhão, a partir do Curso de Comunicação Social, num micromundo efervescente de ideias e ações políticas e culturais entre 1986 e 1990, onde uma geração viveu, livre e apaixonadamente, nas ondas da utopia, os primeiros momentos de democracia após uma ditadura que durou duas décadas. A política predominou no roteiro frenético e intenso, e no qual a arte, especialmente a poesia, e seus criadores, fizeram a sua parte. O desenrolar do processo com tintura revolucionária forjou a geração de líderes que hoje dá as cartas no Maranhão, que tem no governador Flávio Dino o exemplo mais expressivo na política, o cantor e compositor Zeca Baleiro na música e o próprio Félix Alberto e Wal Oliveira nas duas áreas básicas da comunicação de massa, o jornalismo e a publicidade.
Construído com os mais diversos recursos do jornalismo – crônica, reportagem, entrevista, memória, investigação, pesquisa, etc. –, Maio oito meia, crônica de uma geração em movimento conta, em 12 estridentes capítulos, a saga daquela geração de adolescentes que “atravessou a Barragem do Bacanga” atrás do sonho de obter conhecimentos , alcançar a graduação e entrar no mercado de trabalho, mas que, impulsionada pelas ideias libertárias que trazidas da luta contra a ditadura e pelos fluídos remanescentes da Greve de 79 em São Luís, construiu ali um mundo à parte, a sua utopia e a sua realidade, com aguerridas barricadas, lembrando os “revolucionários do céu” da rica e miserável Paris de Vitor Hugo. Essa geração descobriu ali a força, a beleza, os problemas e as contradições da democracia, e debateu a fundo o sonho de delinear uma sociedade livre, democrática, solidária e sobretudo justa.
O livro de Félix Alberto Lima mostra, em cada crônica, que aqueles jovens, oriundos dos diversos níveis de uma pirâmide social absurdamente desigual, descobriram nas salas de aula, nas assembleias, nos embates, nas rodas de fumaça e nas de cerveja e cana pura na Área de Vivência e no Sá Viana, a noção possível de igualdade e as possibilidades de virar o jogo usando as bases da democracia. E o fizeram por meio do confronto verbal direto, das experiências jornalísticas antimercado, do assembleísmo terceiro-mundista, mas também dos recitais de poesia e dos festivais de música popular.
Com narrativa leve, linguagem direta e enriquecida por imagens precisas, recorrendo também a um humor sutil e inteligente, Félix Alberto Lima registra, por exemplo, que parte daquela geração começou a pensar já nos grêmios secundaristas que agitavam a escola pública e a privada nos estertores da ditadura. Começa relatando o impacto que a candidatura de Luiz Vila Nova (PT) à Prefeitura de São Luís em 1985 causou nos adolescentes, que enxergaram nela algo muito diferente do politico convencional, novidade trazida pelo nascimento do PT e da chegada da esquerda para atuar em território livre. Mas à frente, falando de si, mas traduzindo o sentimento da sua geração naquele 1986, escreve que fez da travessia do Bacanga “uma das mais venturosas e ricas experiências de vida”, porque logo descobriu que a UFMA era “terreno fértil de indignação e imaginação”. Surpreso, deparou-se com um ambiente onde “Qualquer um podia falar, pensar, jogar, amar, protestar… Pensar alto; falar o que desse na telha; jogar um a carta no final da tarde para depois amar ao relento depois de dar uma esticada no Sá Viana; e no outro dia matar a ressaca na passeata contra o mau humor do reitor”. Descobriu, enfim, que, ao contrário de lá fora, “Quase tudo era permitido. Bedel não tinha. Quase nada era proibido”. O mundo era maior ali do que em qualquer outro lugar.
Com precisão jornalística, Maio oito meia, crônica de uma geração em movimento resgata os diversos momentos e embates renhidos do movimento estudantil, fracionado em radicais e articuladas correntes da esquerda – ser de direita, ainda que democrática, era crime hediondo-, com eleições diversas, todas marcadas por campanhas agitadas, tensas e, por isso mesmo, memoráveis. Relata, como roteiro de um filme de ação, o dia em que estudantes, depois de uma verdadeira odisseia e sob pressão da Polícia Federal, então ainda vista como um braço mau da ditadura, exibiram o filme Je vous salue, Marie, do genial e provocador cineasta francês Jean-Luc Godard, que por pressão da Igreja Católica, estava cesurado e proibido Brasil pelo então presidente José Sarney (PMDB). Conta também como aquele momento foi influenciado pela Akademia dos Párias, um movimento poético que se contrapôs aos padrões conservadores usando ao extremo a liberdade de expressão artística e ultrapassando todos os limites impostos ao comportamento. Registra os festivais de música realizados pelas entidades estudantis, que não apenas marcaram o período no Campus da UFMA, como repercutiram fortemente além dos seus muros, revelando grandes nomes da MPM, como Zeca Baleiro, Zé Pereira Godão, Luis Bulcão, Sérgio Brenha.Mano Borges, Celso Reis, Ronald Pinheiro, Lourival Tavares e muitos outros. E conta a tensa relação dos militantes do Movimento Estudantil com o reitor José Maria Cabral Marques, e com a comunidade do Sá Viana, que se transformou no seu campo de experimento para as transformações libertárias.
Maio oito meia, crônica de uma geração em movimento abriga duas entrevistas que nada têm a ver uma com a outra, mas que traduzem com precisão a visão de mundo da geração que se moveu intensamente naquele período e a sua própria tradução por um dos seus gurus. A visão de mundo está nas palavras do lendário líder comunista Luis Carlos Prestes, que em passagem por São Luís incendiou os revolucionários da UFMA. A interpretação do movimento é feita pelo professor Agostinho Marques, até hoje reverenciado como ideólogo e guru da geração que sacudiu o micromundo chamado Campus do Bacanga. A última crônica livro mostra que, na esteira das regras da democracia, das liberdades e da moldagem de um novo país, que nasceu com a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 e das contradições cada vez mais evidentes das ideias politicas e culturais, a “geração oito meia” saiu da cena universitária em 1990, abrindo caminho para uma nova, menos barulhenta, mas com certeza respirando os mesmos sonhos e utopia.
Com o livro – que é complementado com um documentário que resgata aquele momento e um disco com o melhor das músicas que embalaram o período -, o jornalista, publicitário, escritor e poeta Félix Alberto Lima dá uma baita, saudável e oportuna contribuição para a construção da memória do Maranhão.
Personagens que ganharam peso, alimentaram seus sinhos e hoje dão as cartas no Maranhão
A “geração oito meia” é, – e provavelmente o será por muito tempo – a que mais produziu líderes e personalidades com o poder de influenciar que saíram da militância estudantil diretamente para o patamar de cima da vida política e cultural do Maranhão. Sem diminuir ou desconhecer o papel de centenas que tiveram participação efetiva naquele movimento, a Coluna destaca alguns dos mais ativos daquele tempo e que hoje são referência:
Flávio Dino – Cursou Direito e foi um dos líderes destacados do Movimento Estudantil, tornou-se advogado e, por concurso, juiz federal. Em 2006, renunciou à carreira vitalícia na magistratura e ingressou na política, elegendo-se deputado federal e, depois de amargar derrotas eleitorais em 2008 para a Prefeitura e em 2010 para o Governo do Estado, elegeu-se governador do Maranhão em 2017, liderando um movimento que, guardadas as devidas proporções e as circunstâncias do momento, repetiu a grande virada política que o Maranhão deu com a eleição de Jose Sarney para o Governo do Estado em 1965. Líder incontestável da sua geração, Flávio Dino ganha espaço cada vez maior como um referência das esquerdas e até do centro no plano nacional. No momento, se prepara para disputar a reeleição.
Márcio Jerry – Um dos mais destacados líderes da “geração oito meia”, formou-se em Jornalismo, dedicando-se intensamente ao jornalismo oficial, de assessoramento, experiência que o tornou assessor destacado do político Flávio Dino, tornando-se o quadro mais atuante e influente do atual Governo. Militante político de tempo integral, Márcio Jerry nasceu partidariamente no PT, de onde migrou para o PCdoB, do qual é o atual presidente no Maranhão. Um dos chefes partidários mais importante do Maranhão atual, é candidato à Câmara Federal.
Jefferson Portela – Militante político aguerrido da “geração meia oito”, formou=se em Direito e prestou concurso publico e foi aprovado para o cargo de Delegado de Polícia. Foi líder classista e sempre atuou no PCdoB, ao qual é filiado. Foi secretário de Segurança Pública nos Governo Jackson Lago (PDT) e no de Flávio Dino, no qual é titular da pasta de Homem da inteira confiança. É o atual secretário de Segurança Pública e, dizem nos bastidores, é candidato a deputado federal,
Douglas Martins: graduou-se em Direito e se tornou, por concurso publico, membro da fatura magistratura maranhense. Quando juiz em Araioses, mandou soltar presos por causa das más condições da cadeia público. Atualmente é titular da Vara de Assuntos Difusos, em cujo exercício tem tomado decisões de impacto na vida da cidade e do estado.
Wal Oliveira: Graduou-se em Jornalismo depois de ter sido uma da líderes mais atuantes da “geração oito meia” no Curso de Comunicação e do Movimento Estudantil na UFMA. Militou em vários jornais de São Luís e virou empresária bem sucedida no ramo de assessoramento na área de comunicação.
Zeca Baleiro: Atuou no Movimento Estudantil daquele período pela vertente da música, tendo sido um dos principais participantes e fomentadores dos festivais de música. Ganhou estatura como cantor e compositor, mudou-se para o eixo São Paulo-Rio de Janeiro, para se tornar um dos nomes mais importantes da MPB da sua geração, juntamente com o paraibano Chico César. Além da música, Zeca Baleiro estimula movimentos sociais de inclusão e se dedicam à militância política.
Márlon Reis – Graduou-se em Direito na UFMA e logo em seguida entrou para a magistratura estadual, tendo exercido uma forte militância política quando tentou, na condição de juiz, conscientizar eleitores contra a fraude eleitoral e a contra de votos. Sua cruzada anticorrupção eleitoral ganhou projeção nacional e internacional quando, juntamente com 0utrps´militantes, comandou o movimento de mobilização popular que resultou na provação da Lei da Ficha Limpa, da qual é um dos pais. Em 2015, Márlon Reis deixou a magistratura para se tornar assessor jurídico de Rede Sustentabilidade e um dos principais colaboradores da ex-senadora e líder do partido, Marina Lima. Estuda a possibilidade de ser candidato a senador em 2018.
Fernando Abreu – Um dos líderes do movimento Akademia dos Párias, mas engajado nas lutas estudantis pelo Curso de Comunicação, graduou-se em jornalismo e entrou para o Tribunal de Contas do Estado ao se tornar servidor por concurso público. É um dos poetas mais importantes do Maranhão na atualidade.
Ademar Danilo: Estudou Direito e foi um dos principais nomes do Movimento Estudantil da UFMA daquele período, militância que alternava com o exercício da poesia como um pária autêntico. Dono de sólida formação cultural, sem um dos primeiros a dar importância do reggae em São Luís, tendo sido também o 0rimeuro radialista a comandar um 0rograma de reggae na Capital, dando ao ritmo jamaicano uma dimensão que ele dificilmente ganharia sem esse pioneirismo do advogado que foi também vereador da Capital pelo PT.
Félix Alberto Lima – Jornalista com formação também economia, foi participante destacado na “geração oito meia”, foi bancário (Caixa Econômica Federal), praticou jornalismo e se tornou empresário da Clara Comunicação. Cronista de mão cheia, tem vários livros publicados, entre eles um amplo perfil do poeta José Chagas, incursionando também pela poesia. É um nomes mais bem sucedidos da sua geração como escritor e empresário da Comunicação.
Em Tempo: a Coluna será atualizada na Segunda-Feira, 24/07/2017.
São Luís, 20 de Julho de 2017.
olá,
por favor, onde posso adquirir o livro/cd/dvd maio oito meia?
obrigado desde já.
abs,
josé
Caro José Luiz, o meio mais fácil de conseguir a informação é fazendo contato com o próprio autor, jornalista Félix Alberto: limafelixalberto@gmail.com.
Abraço.