A história recente da Música Popular Maranhense (MPM) tem sido marcada por uma produção intensa, variada, mas nela são poucos os registros de ousadia no que diz respeito à reinvenção. Os clássicos da MPM produzidos até aqui são em geral mantidos em sua maioria em versão original, com pequenas variações entre uma e outra gravação. “Apanhado geral, um”, de Josias Sobrinho (2018), subverte essa tendência. O disco reúne 12 canções – 11 de sua autoria e um poema de Bandeira Tribuzi que musicou – do seu vasto repertório, com o diferencial que elas são embaladas com arranjos fortemente enriquecidos com recursos eletrônicos, influência da nova geração de músicos da família, os filhos Cassiano e Lucas Sobrinho.
Estrela de primeira grandeza da MPM, nascida na efervescência cultural que mexeu com São Luís na segunda metade dos anos 70, apesar da ditadura – foi um dos criadores do Laborarte, por exemplo -, dono de uma obra vasta, com muitas gravadas por inúmeros intérpretes, Josias Sobrinho vem brindando o Maranhão e o Brasil com uma música genialmente original e enraizada no que há de mais autêntico e mais puro no rico universo da cultura popular, e que também avança por diferentes vieses, como a denúncia do drama social e a crítica política, sendo alguns exemplares verdadeiros manifestos. E com uma vantagem excepcional: faz uma música fácil, simples, rapidamente assimilável, boa de cantar, mas ao mesmo tempo sofisticada, com pleno domínio da língua e dos sons. A música de Josias Sobrinho é ímpar, com marca própria, que ganha mais densidade quando ele próprio a interpreta com sua voz doce e elegantemente desafinada. Seus raros discos mostram isso com clareza solar.
“Apanhado geral, um” é, portanto, o resultado da ousadia da reinvenção. Estudioso de música em enfoque e perspectiva bem mais largos, chegando mesmo ao rigor da investigação acadêmica mais ampla, Josias Sobrinho ousou ver sua música de raiz embalada em arranjos modernos, com guitarras, teclados e sopros cuidadosamente harmonizados com violão malandro e comportado, cavaquinho, contrabaixo, pandeiro, pandeirões e matracas, produzindo um mix que acertou na mosca em cada faixa. Cassiano e Lucas Sobrinho, seus herdeiros musicais, foram fundamentais nessa ousada aventura musical de dar a clássicos versões modernas sem lhes arranhar a integridade. Vale registrar que os arranjos de “Três potes”, “Rosa Maria” e “Catirina” são de Zé Américo Bastos com percussão feita por Papete – aliás, esse foi um dos últimos trabalhos de Papete.
As faixas
O disco é aberto com um belo exemplo: “A primeira canção”, um poema de amor caliente, passional, que define o amor como loucura e como a primeira das coisas que fazem sofrer, recorrendo ao célebre desfecho “esta é a última canção que eu faço para você”, dado por Roberto Carlos num dos seus clássicos. Essa expressão de amor arrochado ganha a forma de um tango bolerado, arranjado pelo acompanhamento de um acordeon – nada de bandoneon -, que se mistura com uma base de guitarra e é salpicado com notas sutis de bandolim, bem marcado por um contrabaixo “portenho”.
Em seguida vem “Terra de Noel”, o clássico samba rebelde, apaixonado, que incita o exercício do sacrossanto direito cidadão de ser consciente da situação, e que exatamente por isso vive na ponta da língua de todo maranhense como um recado direto e sem rodeio aos que pensam em barrar o trem da História. O recado de Josias Sobrinho, que divide a interpretação com o compositor Chico Saldanha, é embalado por um arranjo clássico harmonizado por acordes poderosos de acordeon, tendo como base cavaquinho, contrabaixo e percussão em bateria.
Na sequência, “Três potes”, um manifesto verde com forte teor político, que musicou o roteiro de uma peça no final dos anos 70, é expressado na defesa de uma fonte, onde a siricora avisa que nessa guerra a muda vai falar na preparação do “dia de findar a nossa dor”, “enxotando urubus” e “expulsando carcarás”. A versão ganha um belo arranjo de violão acústico, um contrabaixo centrado e o adorno rítmico de uma percussão adequada ao tema, com apitos, ganzás e triângulo, produzindo um belo exemplo de reinvenção.
O disco reinventa “Catirina”, a toada de boi de matraca com que Josias Sobrinho enaltece e eterniza a musa do bumba-boi, permeando a letra com uma história de amor, lembrando, com um toque genial, que “a saudade é traça que estraçalha o coração”, e pedindo que ela poupe um boi que é de pasto mas carrega cela e envergonha São João. A toada é ricamente adornada com um belo arranjo, que explora, com equilíbrio e beleza, os vários recursos do teclado eletrônico, mas poderosamente ritmada por pandeirões de primeira linha.
Em nova versão, “Rosa Maria”, essa encantadora musa de todos, já consagrada como um clássico do cancioneiro popular maranhense, cresce em dimensão. Ganha com um arranjo que dá força à sua letra, que desenha uma mulher exuberante, encantadora, sedutora, apimentada e cheirosa, pura sensualidade, mas de atitude, que provoca sentidos, mas controla ímpetos apenas com um olhar poderoso. Tudo isso num genial poema aberto, de simplicidade angelical, com apenas 37 palavras – entre nomes, pronomes e verbos, preposições, etc…. – que exalam sensualidade e desejo, dando a cada um asas para imaginar a sua própria Rosa Maria. A musa renasce como um samba de roda com a base de um pandeiro e percussão grave, que lembra longe a pancada dos viradores dos blocos tradicionais de São Luís, dando suporte grandioso ao belo arranjo de violão e de um contrabaixo que aqui e ali faz as vezes de um sete cordas e às variações perfeitamente encaixadas do cavaquinho.
“Pão Geral”, poema de Bandeira Tribuzi musicado por Josias Sobrinho mantém a versão original em ritmo de toada, com um arranjo maravilhoso em base de cordas. No poema, Bandeira Tribuzi, proclamando o amadurecimento do seu coração, declara seu amor ao tempo e ao mundo, aos “rebanhos no céu”, aos reflexos da nuvem no rio, ao trigo que cresceu e gerou o pão, a campos sem muros, e por aí vai… Essa música foi feita originalmente para o disco “Pão Geral, tributo a Tribuzi”, que reúne 14 poemas do poeta musicados pela nata da MPM, produzido pelo poeta Celso Borges.
“Sinto muito”, é na verdade uma descoberta de um amor avassalador, daqueles “que deixa a gente bambo” – tem coisa com mais cara de São Luís do que isso? Trata-se de um reggae com sotaque ludovicense, com contrabaixo de raiz, acompanhamento tradicional de guitarra-base, mas com o diferencial de um violão com cordas e teclados bem afinados.
“Pif-paf” é um choro-canção que exalta a boêmia, o jogo de cartas, a música apaixonada, a alegria da noite e que termina num chorinho que relaxa e faz adormecer, “ferindo as cordas do meu cavaquinho”. Josias Sobrinho divide a interpretação com voz educada e afinada do cantor Cabeh, num dueto impagável. O arranjo é magistral, iniciando com um belo solo de clarineta, com uma base de violão e pancadas de pandeiro. A introdução abre caminho para a entrada arrebatadora do cavaquinho e dos acordes de um violão sete cordas poderoso, que ao longo da peça faz também um dueto com a clarineta num arranjo que chega a comover e que dá vida e sentido ao belo choro-canção.
Em “Cabocla de cena”, o cantador declara seu amor por uma cabocla de pena, prometendo, que, se a televisão não atrapalhar, no São João ele lhe escreverá uma carta e um poema, certo de que tem o seu amor. Trata-se de uma toada que no início se mostra estilizada, ritmada com bateria, com acompanhamento de um teclado, mas que em seguida ganha a condição plena de toada, embalada com matracas e pandeirões, que se mesclam com os teclados e a guitarra num mix agradável, sem que a música perca sua beleza original ou suas raízes.
“Mandacarú pedante”, sem dar pistas se tem um alvo preferencial, a faixa é mais uma dura crítica à mediocridade que está por trás do pedantismo, a ponto de definir o alvo da crítica como um mandacarú, vegetal que com seus espinhos afasta a todos, e que vive a triste sina “numa cidadela onde a estupidez domina”. É mais um reggae com tintura ludovicense, animado com um solo de rock “pesado”, que como os clássicos evolui no compasso de um contrabaixo de cores jamaicanas, e embelezado por um solo de guitarra de alto nível, que permeia toda a peça.
“Onde está meu carneirinho”, “de marré, marré”, é um poema que dedica ao neto Levi, que mexe com a infância, com a proeza de, aninhado no seu ser, “saber do tempo como quem sabe da espera, pois quem sabe faz a lua nova aparecer”, pois sem ele estaria “verso solto na poesia”, “sempre em falso a me perder”. Trata-se de um xote leve, que ganhou base eletrônica, mas chega às alturas com os acordes de um violoncelo que domina pelo encanto da sua bela harmonia. O arranjo ganha mais força na “conversa” que trava com um acordeon intrometido e que, no embalo de zabumba e de uma percussão suave, traz o xote para o chão junino.
“Apanhado Geral, um” termina com “Dois em dois”, uma ode aos netos gêmeos Samuel e Nícolas, filhos de Cassiano Sobrinho, que faz a outra voz no dueto familiar. Os dois são, na sua definição, “bons motivos pra sonhar, parecidos, mas de forma singular”, “tão diferentes mas de forma unipar”, que o encontram em tempo de “serenizar”. A peça é um blue compassado, com arranjo para guitarra e teclados, que evoluem deliciosamente numa bela sequência de acordes, que mostra com total clareza a sua capacidade de se reinventar, consolidando perfeitamente a proposta do disco.
Em Tempo: “Apanhado Geral, um”, além de arrojado e bem arranjado ganha brilho maior pelo talento dos músicos Rui Mário, Roberto Chinês, Mauro Travincas, Marcão Santos, Fleming Sandes e Jecovisky Pereira (“A Primeira Canção” e “Terra de Noel”); Zé Américo Bastos, Israel Dantas e Papete (“Três Potes”, “Catirina” e “Rosa Maria”); Luis Jr., Rui Mário e Luis Cláudio (“Pão Geral”); Marcos Lussaray, Serginho Carvalho, Carlão, Marcos Silva e Jecovisky Pereira (“Sinto Muito); Marcos Lussaray, Paulo Trabulsi, Gordo Elinaldo, Jecovisky Pereira, Carlos Piau e Fernando DF (“Pif-Paf); Henrique Duailibe, Edison Bastos, Lenita Pinheiro, Renata Gaspar e Ivandro Coelho (“Mandacaru Pedante”); Rui Mário, Daniel Sena e Luiza Sena (“Onde está meu Carneirinho”); Sued Richarllys, Lucas Sobrinho e Cassiano Sobrinho (“Dois em Dois”).
Que venha “Apanhado Geral, dois”. O Maranhão desde já agradece.
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PONTO & CONTRAPONTO
Grupo Sarney quer retomar o poder pelo Porto do Itaqui, mas estratégia é frágil
As investidas dos seus deputados federais e estaduais denunciando supostas irregularidades no Porto do Itaqui vão aos poucos revelando a estratégia do Grupo Sarney para reassumir pelo menos uma fatia de poder no Maranhão. A equação é simples, parece eficiente, mas um resultado favorável é muito, mas muito mesmo, remoto. O plano é o seguinte: convencer o Palácio do Planalto a retomar o controle do complexo portuário do Maranhão e, em caso positivo, conseguir emplacar um gestor da sua confiança no comando da Emap. O problema é que as denúncias feitas até aqui não encontram solo fértil para prosperar em Brasília. Primeiro porque que os porta-vozes sarneysistas, entre os quais se destaca o deputado federal Edilázio Jr. (PSD), não conseguiram convencer os novos donos de Brasília de que as denúncias são consistentes. Depois, além de não terem encontrado nada de errado na gestão do Porto do Itaqui pelo Governo Flávio Dino (PCdoB), tendo ministros reconhecido a boa gestão em curso no complexo, o presidente Jair Bolsonaro e a turma que o cerca têm pés atrás em relação ao Grupo Sarney, não o querendo como inimigo, mas também dando espaço para uma relação muito próxima. Em resumo: até mesmo sarneysistas mais centrados reconhecem que a estratégia não vai dar certo e que o grupo do ex-presidente não retomará o poder desembarcando no Porto do Itaqui.
Bira do Pindaré é pré-candidato assumido a prefeito de São Luís, mas atua bem para consolidar projeto
O deputado federal Bira do Pindaré (PSB) vem cumprindo exatamente o roteiro que ele traçou para viabilizar o projeto de chegar à Prefeitura de São Luís. É pré-candidato definido e declarado, mas por enquanto não vai entrar em discussão sobre o assunto, preferindo empenhar-se em exercer seu mandato de maneira eficiente. No foro interno, nas conversas que vem mantendo com seus apoiadores, aliados e eventuais aliados e parceiros, Bira do Pindaré investe numa possível aliança com o PT, que além de examinar a possibilidade de lançar candidato próprio ou apoiar o candidato a ser lançado pela aliança liderada pelo governador Flávio Dino, pode vir a juntar-se ao PSB indicando o vice na chapa do socialista. Bira do Pindaré trabalha com cuidado e sem alarde, certo de que tem cacife para ser o adversário com cacife para encarar o deputado federal Eduardo Braide (PMN) numa disputa de igual para igual. Entre as hipóteses com que trabalha, está a de levar sua candidatura para um segundo turno e contar com o apoio de todas as forças mobilizadas pelo dinismo. Por enquanto, o parlamentar socialista está jogando certo: faz um bom mandato na Câmara Federal, com posições partidárias e independentes, e trabalha sua candidatura sem pressionar o Palácio dos Leões. Sabe que tem adversários e aliados por lá.
São Luís, 20 de Abril de 2019.