A direita radical, alinhada ao bolsonarismo, que tem como expoentes os deputados Yglésio Moyses (PRTB) e Mical Damasceno (PSD), ganhou novos adeptos declarados, mas sofreu ontem um duro golpe na Assembleia Legislativa, com a rejeição, por oceânica maioria, do requerimento por meio do qual o primeiro propôs a concessão da Medalha do Mérito Legislativo “ Manoel Beckman” à ex-primeira-dama do País, Michelle Bolsonaro – a ideia era entregar durante uma ação partidária do PL neste sábado em São Luís. Foi uma derrota dura, à medida que nada menos que 17 deputados disseram “não” à proposta, contra apenas sete votos favoráveis – embora tenham sido contabilizados quatro votos de deputados que participavam remotamente. Além do autor Yglésio Moyses e Mical Damasceno, avalizaram o requerimento os deputados Fabiana Vilar (PL), Fernando Braide (PSD), Alan da Marrisol (PSD) e Solange Almeida (PL).
Outra proposta do deputado Yglésio Moyses, um projeto de resolução legislativa concedendo o título de Cidadão Maranhense ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve votação adiada por pedido de vista do deputado Zé Inácio (PT).
O deputado Yglésio Moyses, que encabeça um movimento de confronto esquerda-direita na Assembleia Legislativa, formando com a deputada Mical Damasceno – cujo discurso é integralmente baseado nos postulados na versão pentecostal da bíblia e nas pautas de gênero – uma ativa e provocadora micro bancada, que de uns tempos para cá repercute no parlamento estadual, com os mesmos argumentos, todas as posições e iniciativa da oposição bolsonarista no plano nacional, a começar pelas críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, a minirepresentação ganhou dois adeptos, os suplentes no exercício do mandado Ricardo Seidel (PSD), que definiu Imperatriz como “a cidade mais conservadora do Maranhão”, por ser predominantemente de direita e por haver a Câmara Municipal de lá concedido título de cidadania à Michelle Bolsonaro, e Alan da Marrisol, com base em Balsas, cujo discurso é comedido, mas o voto é certo. A deputada Fabiana Vilar, ligada ao deputado federal Josimar de Maranhãozinho, chefe maior do PL no Maranhão, não esconde rua raiz direitista, mas foi, durante anos, secretária de Agricultura do Governo Flávio Dino, que era do PCdoB, e não faz discurso contra da esquerda.
Um dos quadros mais preparados e mais polêmicos da Assembleia Legislativa, também conhecido pela sua instabilidade partidária, o deputado Yglésio Moyses se equilibra num jogo complicado: apoia o governador Carlos Brandão (PSB), mas se transformou em inimigo assumido do ministro Flávio Dino, a quem culpa por todas as dificuldades políticas que enfrentou até se reeleger em 2022 pelo PSB, no qual ingressou com o aval do então governador Flávio Dino. Atualmente, sua pauta diária é provocar o “pessoal do Flávio Dino”, a quem rotula de “comunistas”, e encampar as pautas, que são bolsonaristas e vão de pancadas no Judiciário à defesa do conceito de família defendido pela deputada Mical Damasceno. Ontem, por exemplo, ele acusou o grupo – que não nomeia em definitivo -, de ter articulado a rejeição da homenagem à ex-primeira-dama do País, que na sua opinião foi a mulher de presidente que “mais ajudou o Maranhão”. E colocou o governador Carlos Brandão – que se encontra na Colômbia integrando a comitiva do presidente Lula da Silva (PT) – na confusão, usando uma expressão chula – ele próprio admitiu – para alertá-lo sobre “manipulação política”, insinuando que a rejeição da homenagem foi uma pressão “de cima”.
Por mais que tenha tentado minimizar o resultado da votação, o deputado Yglésio Moyses alternou seu discurso com trechos serenos e com críticas duras à própria Assembleia Legislativa, e avaliando que a boa convivência entre contrários, que assegurava a aprovação de todos os requerimentos de homenagem, “perdeu sentido”. Disse também que a derrota não o afeta nem à ex-primeira-dama, “que não precisa de homenagem”. Mas não há como negar que, se fosse para o encontro de sábado levando em mãos a Medalha do Mérito “Manoel Beckman” para Michelle Bolsonaro, ganharia muitos pontos no cacife que vem montando cuidadosamente para ser o homem forte do bolsonarismo no Maranhão.
A direita tem vários ramos e vários níveis de consciência política, como é o caso do ramo civilizado praticado pelo prefeito de São Luís, Eduardo Braide (PSD); do pragmático representado pelo deputado Josimar de Maranhãozinho, chefe do PL, e o democrático, como o pregado pela deputada federal Roseana Sarney (MDB), por exemplo. E pelo discurso que vem adotando, o deputado Yglésio Moyses só tem chance mesmo de comandar o braço radical da direita no Maranhão.
PONTO & CONTRAPONTO
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A Assembleia Legislativa tem dois tipos formais de votação. A votação nominal, na qual os deputados usam o painel onde registram o nome e o voto sim, não ou abstenção. E a votação simbólica, quando os deputados presentes à sessão têm de se manter “como estão”, ou seja, sem se mover, por alguns segundos, para aprovar, e os que não permanecem como estão, para não aprovar a matéria em pauta.
A votação da homenagem foi simbólica. Dezessete deputados permaneceram como estavam, rejeitando a matéria, enquanto seis presentes manifestaram aprovação movimentando-se. E o resultado formal foi o seguinte:
Votaram contra: Antônio Pereira (PSB), Arnaldo Melo (PP), Carlos Lula (PSB), Florêncio Neto (PSB), Francisco Nagib (PSB), Glalbert Cutrim (PDT), Hemetério Weba (PP), Janaína Ramos (Republicanos), Jota Pinto (Podemos), Júlio Mendonça (PCdoB), Leandro Bello (Podemos), Neto Evangelista (União), Othelino Neto (PCdoB), Rafael Leitoa (PSB), Roberto Costa (MDB)
Rodrigo Lago (PCdoB) e Zé Inácio (PT).
Votaram a favor: Alan da Marissol (PRD), Aluízio Santos (PL), Ana do Gás (PCdoB), Ariston Ribeiro (PSB), Cláudia Coutinho (PDT), Viviane Silva (PDT), Edna Silva (PRD), Fabiana Vilar (PL), Fernando Braide (PSD), Mical Damasceno (PSD) e Yglésio Moyses (PRTB).
Ocorre que cinco deputados participavam da sessão remotamente, ou seja, por videoconferência, e como não tinham como se manifestar, seus votos foram considerados a favor, por conta do pressuposto de que eles permaneceram como estavam.
É fácil imaginar que os deputados Aluízio Santos (PL) e Edna Silva (PRD) tenham votado a favor, o que aumentaria para oito os votos favoráveis. Mas é difícil cravar que os deputados Ana do Gás (PCdoB), Cláudia Coutinho (PDT) e Ariston Ribeiro (PSB) tenham votado a favor.
Portando, é muito provável que os votos a favor sejam oito e os contra sejam 20.
Mical tenta explicar fala sobre mulher, mas é contestada pela Procuradoria da Mulher
A deputada Mical Damasceno enfrentou ampla e ácida repercussão à sua afirmação de que, por obra divina, na família a mulher deve ser submissa, segundo a interpretação da versão pentecostal da bíblia. Ela tentou ontem desmanchar o que fizera, sob o argumento de que sua interpretação da “palavra” foi deturpada.
Depois de ter dito quarta-feira, na tribuna, que a sessão solene que vai realizar para comemorar o Dia da Família será “exclusiva” para “homens”, “machos”, ela revisou o discurso e disse que não falou em exclusividade. Disse, corrigindo-se: “Os meus convidados serão homens”, mas que a sessão será aberta a todos.
A deputada fez um esforço para explicar, com uma didática pobre, o conceito bíblico de submissão da mulher. Segundo ela, a mulher “cristã” tem de ser submissa às regras divinas, mas não às do marido. Não foi muito além disso, aproveitando para repetir um bordão já surrado nas suas falas: as feministas querem alimentar uma guerra entre homem e mulher.
Só que diante da repercussão, a Mesa da Assembleia Legislativa emitiu nota em que afirma trata-se de uma opinião da parlamentar, respeitada dentro da pluralidade que compõe o Parlamento Estadual”. E foi além: “A Assembleia Legislativa do Maranhão manterá sempre a boa convivência política na diferença, conciliando divergências em defesa dos interesses do povo do Maranhão, sendo atualmente presidida, pela primeira vez na história, por uma mulher, e tendo a maior bancada feminina de toda sua longa existência, com uma forte atuação da Casa em defesa das políticas de gênero e contra todas as formas de discriminação”.
E a procuradora da Mulher, deputada Daniella Gidão (PSB), foi dura: “Respeitamos a autonomia e o importante trabalho da deputada Mical Damasceno, mas suas opiniões explanadas no referido pronunciamento divergem totalmente dos princípios desta Procuradoria, que defende a nossa luta incansável pela igualdade de gênero e respeita todos os laços de afeto que se colocam como construção familiar”.
As falas de ontem da deputada Mical Damasceno não foram suficientes para eliminar o mal-estar causado pelas suas opiniões sobre família e gênero.
São Luís, 19 de Abril de 2024.