O imponente Palácio Clóvis Bevilácqua, sede do Poder Judiciário do Maranhão, teve ontem sua história duramente maculada. Seus corredores e alguns dos gabinetes mais importantes foram ocupados por agentes da Polícia Federal, os quais, cumprindo mandados de busca e apreensão expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça, procuraram provas para desmontar uma organização criminosa que, segundo as ordens, praticava corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, fraudes processuais e outros crimes. A ação, batizada “Operação 18 Minutos”, se referiu a uma suposta armação para o inchamento e saque ilegal de honorários milionários em processo fraudalento envolvendo o Banco do Nordeste. Em nota, o BNB denunciou outras armações criminosas da organização formada por magistrados e advogados, e que esse e outros casos foram denunciados nas três esferas do Ministério Público.
A PF não divulgou nomes, mas a suposta trama corrupta envolveria os desembargadores Guerreiro Jr., Nelma Sarney, Luiz Gonzaga de Almeida Filho e Marcelino Weverton; os juízes Cristiano Simas, Alice Rocha e Gustavo Villas Boas; e os advogados Fred Campos e Edilázio Jr.. Ao todo, são mais de 30 investigados na operação, que também levou a Polícia Federal aos escritórios de vários outros advogados. É esse o cenário em que o Poder Judiciário maranhense foi inserido ontem, conforme o conteúdo dos mandados e a ação dos agentes da Polícia Federal no Palácio Clóvis Bevilácqua, onde trabalham os desembargadores, e no Fórum da Capital, onde atuam os juízes citados.
A movimentação ostensiva dos agentes federais nos dois complexos, que deveriam ser “templos sagrados da Justiça”, criou uma situação de tensão e nervosismo, principalmente nos servidores e chamou a atenção de cidadãos que ali buscavam soluções para suas pendências judiciais. O clima atingiu fortemente os desembargadores, aumentando a tensão no colegiado, que já vinha ocorrendo desde que o CNJ determinou, há alguns meses, o afastamento dos desembargadores Guerreiro Jr., investigado por suspeita de desvio na construção do Fórum de Imperatriz, e Nelma Sarney, por favorecimento a um assessor em concurso para titular de cartório.
Por meio de uma nota pouco esclarecedora, na qual informa que, “com fundamento nos princípios da transparência e da governança, o TJMA atende à determinação do STJ”, o suficiente para mostrar a gravidade do caso, o comando do Tribunal de Justiça admitiu a “Operação 18 Minutos” e o envolvimento de magistrados (desembargadores e juízes), afirmando que está colaborando com as investigações. E avisou que cumprirá as decisões do STJ, ou seja: afastará os desembargadores e juízes alvos dos mandados, que ganharão tornezeleiras eletrônicas e estão proibidos de frequentar qualquer espaço do Poder Judiciário e de se aproximar de outros investigados. O afastamento só atingirá o desembargador Luiz Gonzaga Almeida Filho, já que Guerreiro Jr. e Nelma Sarney já estão afastados e Marcelino Weverton já está gozando confortável aposentadoria. Esses magistrados, assim como os advogados, terão também seus bens tornados indisponíveis até a conclusão do processo.
A verdade indiscutível é que o Poder Judiciário do Maranhão sofreu ontem mais um duro golpe moral e ético, que causou forte constrangimento em magistrados e servidores do Tribunal de Justiça e do Fórum Desembargador Sarney Costa, principalmente os que foram obrigados, por dever de ofício, a acompanhar a devassa que os agentes federais realizaram nos gabinetes de desembargadores e juízes. A bordoada ganhou mais força ao longo do dia, quando a instituição foi levada às manchetes dos principais telejornais do País, que pouparam nomes, mas exibiram imagens chocantes de joias, relógios de luxo e muito dinheiro em diferentes moedas, incluindo dólar e euro. Foi espantosa a ação dos agentes federais em escritórios e residências de advogados, onde encontraram a dinheirama e os muitos kits de joias.
O problema é que o que aconteceu ontem no Palácio Clóvis Bevilácqua e no Fórum Desembargador Sarney Costa está relacionado a apenas um processo, sendo que o Banco do Nordeste revelou, em nota, que há vários outros, bem parecidos, em andamento. E não será surpresa se o STJ usar de novo a mão pesada da lei para determinar novas operações “18 Minutos” em gabinetes de desembargadores e juízes, arrastando a Justiça maranhense para mais perto do fundo do poço.
Em Tempo: Vale anotar que a Polícia Federal cumpriu mandados da mesma natureza no Pará e no Rio de Janeiro.
PONTO & CONTRAPONTO
Fred Campos e Edilázio Jr. levam a investigação no Judiciário para a política
Como uma espécie de sina, a ação da Polícia Federal, ontem, na sede do Poder Judiciário e no Fórum de São Luís investigando o suposto envolvimento de desembargadores e juízes em esquemas de corrupção, pegou a política de “raspão”, com a presença dos advogados Fred Campos e Edilázio Jr. na lista dos suspeitos.
A pancada mais forte foi certamente recebida por Fred Campos, que além de advogado e empresário, é militante político e nesse momento é candidato favorito à Prefeitura de Paço do Lumiar, um dos dez mais importantes municípios do Maranhão. Candidato pelo PSB e prometendo “passar o rodo” nos esquemas de corrupção que têm derrubado seguidos prefeitos, entre eles Paula Azevedo (PCdoB), cassada pela Câmara Municipal na semana passada, Fred Campos pode se tornar agora alvo fácil dos seus concorrentes, o empresário Francisco Neto (Novo) e o médico Felipe Gonçalo (Mobiliza), que viram a ação da PF como um “presente”. Ele, que descende de uma rica família caxiense, apresentou à Justiça Eleitoral uma relação de bens no valor de R$ 27 milhões, parte deles aplicações financeiras. Seus marqueteiros podem preparar as respostas e explicações, porque a cobrança virá durante a campanha.
Em Tempo: A Coluna reafirma o conteúdo da nota da edição do dia 13/08, em que informa sobre a origem de parte dos bens do candidato Fred Campos, mas sem conhecimento das suas atividades como advogado e empresário.
O advogado Edilázio Jr. tem situação bem complicada nesse contexto. Genro da desembargadora afastada Nelma Sarney, ele é ex-deputado federal e preside o braço maranhense do PSD. Para começar, o PSD é o partido do prefeito Eduardo Braide, que enfrenta os fortes respingos do caso do Clio vermelho que apareceu abandonado com R$ 1,1 milhão em dinheiro vivo no porta-malas. Além disso, o parentesco com a desembargadora Nelma Sarney leva o problema para o seio da família Sarney, que na verdade nada tem a ver com o peixe. E, finalmente, muito o provavelmente o agora ex-deputado, que vinha se preparando discretamente para tentar voltar à Câmara Federa em 2026, pode enfrentar problemas sérios na sua base de apoio.
Flávio Dino enquadra “emendas PIX” e enfrenta reações no Congresso
A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, de passar um pente fino na lisura das chamadas “emendas PIX”, dirigidas por deputados federais e senadores a prefeituras, sem informação sobre destinação ou projetos para o uso dos recursos.
Com base no princípio constitucional da transparência, que rege a aplicação de recursos no serviço público nos níveis federal, estadual e municipal, o ministro vê traços de inconstitucionalidade nessa estranha e muito suspeita forma de repasse por meio das chamadas “emendas impositivas”, que o Governo é obrigado a cumprir, sem questionar a destinação. Para ele, isso é “arbitrariedade”, e o Estado brasileiro não comporta tal procedimento.
Pela sua decisão, que atendeu a uma reclamação do PSOL e já está valendo, mas ainda passará pelo crivo do plenário do Supremo, só não serão auditadas as emendas que bancam obras já em andamento ou as que se referem a calamidades, como as enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo.
Com a decisão, o ministro Flávio Dino comprou uma baita, boa e justa briga com o Congresso Nacional, especialmente a Câmara Federal, por onde já passou e cujos meandros conhece bem. Mas ninguém se iluda imaginando que ele venha a ceder a pressões do presidente Arthur Lira (PP) e sua turma. Quem o conhece sabe que ele não se sobra a ameaças.
Vale aguardar os desdobramentos dessa medição de força, muito saudável para o País.
São Luís, 15 de Agosto de 2024.
Bom dia.
Não são só as tais emendas impositivas: quaisquer emendas são a negação de um estado dividido em executivo, judiciário e legislativo. A hora de discutir o destino das receitas públicas é quando o legislativo, fiel `(ou deveria) às suas funções discute o orçamento. Esse é o momento- público, aberto, accessível a toda a população – escolhe as prioridades . Ao executivo cabe , como o nome diz, executar essas prioridades e ao judiciário atestar a legalidade dessas ações. Legislativo não tem nada a er com execução. Seu papel é outro. Até mesmo porque as tais emendas distorcem, primeiro, o próprio orçamento público e, depois, porque distorce, também, a futura competição políca, em claríssimo benefício dos detentores dos mais variados mandatos. Dessa forma, está mais do que na hora de acabar com QUALQUER tipo de emenda dessa natureza. Finalmente, quem fiscaliza a aplicação desses recursos?
Na minha opinião, Flávio Dino quase acertou na mosca. Precisa acabar o seriço.