Bolsonaro tropeça na prudência e transforma sua viagem ao Maranhão num desastre político

 

Sem empolgar outros aliados, Jair Bolsonaro faz gesto de euforia com o aliado Roberto Rocha na BR-135, onde inaugurou 3,5 quilômetros de duplicação

Um desastre político. É a definição mais adequada para a visita do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Maranhão ontem, com escalas em São Luís e Imperatriz. Durante sua incursão de algumas horas no estado, onde foi recebido por aliados políticos e por grupos de seguidores fantasiados de verde-amarelo – todos sem máscara e confinados em cercadinhos iguais aos do Palácio da Alvorada -, o presidente protagonizou momentos que certamente entrarão para a crônica do seu período reforçando sua estranha noção de política e o seu agressivo desprezo pelas regras de convivência institucional. Escudado pelo senador Roberto Rocha (PSDB), o seu principal aliado no estado, e por vários deputados federais, Jair Bolsonaro exercitou sua verve belicosa ao atacar o governador Flávio Dino, seu Governo e seu partido, o PCdoB, pelo viés ideológico, e fazer piada grosseira com o Guaraná Jesus, afirmando que, ao ingeri-lo, se tornaria “boiola, como os maranhenses”. Com seu comportamento desregrado e seu discurso agressivo, o presidente da República transformou o que seria uma visita de trabalho, para inaugurar, inspecionar e anunciar obras, num inacreditável imbróglio político de repercussão nacional.

Na primeira etapa da viagem – que não foi comunicada ao governador Flávio Dino nem ao prefeito Edivaldo Holanda Júnior (PDT), num gesto espantoso de descortesia – o presidente Jair Bolsonaro desembarcou em São Luís, de onde seguiu para a BR-135, onde inaugurou um trecho de 3,5 quilômetros de duplicação. Depois rumou para Imperatriz, onde também foi recebido por apoiadores, e inaugurou dois quilômetros restaurados da BR-10 e anunciou a criação de uma universidade federal na região. Quase nada além disso, o que confirmou a suspeita inicial de que o propósito não admitido que o propósito da viagem era essencialmente político.

Em São Luís, sua estada passaria em branco, sem qualquer expressão, se o presidente não tivesse chocado os maranhenses com uma piada de mau gosto, preconceituosa e de natureza claramente homofóbica sobre o Guaraná Jesus, um dos símbolos do Maranhão. Ao ingeri-la, gracejou agressivamente: “Agora eu virei boiola. Igual maranhense, é isso? Guaraná cor-de-rosa do Maranhão aí, quem toma esse guaraná aqui vira maranhense”. A piada sem graça causou perplexidade, principalmente pelo de que alguns maranhenses do seu grupo de acompanhantes tenham achado graça. O senador Roberto Rocha, ciente da repercussão, tentou minimizar, mas não conseguiu. O governador Flávio Dino, por seu turno, protestou contra a opereta presidencial de ofensa aos maranhenses.

– Bolsonaro veio ao Maranhão com sua habitual falta de educação e decoro. Fez piada sem graça com uma de nossas tradicionais marcas empresariais: o Guaraná Jesus. E o mais grave: usou dinheiro público para propaganda política. Será processado – reagiu o governador nas suas redes sociais.

Em Imperatriz, ao falar para simpatizantes, Jair Bolsonaro escancarou a motivação política da viagem. Além de não comunicar sua visita ao governador Flávio Dino, mesmo tendo ele atendido solicitação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno e autorizado a PM a se integrar ao esquema de segurança presidencial, Jair Bolsonaro recorreu ao seu extremismo de direita e atacou duramente o dirigente maranhense, dizendo que o Maranhão vive sob “uma ditadura comunista” e que o PCdoB “deve ser varrido” do Maranhão. Ataque foi gratuito, sem qualquer justificativa. O governador Flávio Dino deu troco imediatamente, disparando: “Não tenho medo de ditador, nem de projeto de ditador e nem de ditadura. Não tenho medo de Bolsonaro”.

O caráter político da visita do presidente Jair Bolsonaro ao Maranhão não surpreendeu. O simples fato de não comunicar sua vinda ao governador, como manda a praxe, mesmo sendo eles adversários políticos, e a desenvoltura do senador Roberto Rocha como uma espécie de dono da agenda, foram evidências de que não havia maiores propósitos de governo na viagem. Só que os fatos ocorridos, a reação a eles e a repercussão fora do Maranhão demonstraram que o presidente dificilmente colherá bons frutos políticos dessa empreitada.

 

PONTO & CONTRAPONTO

 

Pouca representação política na recepção a Bolsonaro no Maranhão

Escanchado no pescoço de um partidário, Silvio Antônio vence a barreira de apoiadores e consegue um aperto de mão de Jair Bolsonaro no aeroporto

De todas as visitas presidenciais ao Maranhão desde a volta da democracia, a do presidente Jair Bolsonaro, ontem, foi, de longe, a mais desconectada da realidade, sem importância nem estatura.

Nas suas inúmeras visitas entre 1985 e 1990, o presidente José Sarney sempre foi recebido com festa por multidões, tendo trazido na sua companhia o colega português Mário Soares, vários mandatários da África lusófona, o colombiano Virgílio Barco e o uruguaio Juan Maria Sanguinetti, além de visitantes importantes, como escritor francês Maurice Druon, o célebre autor de “O Medido do Dedo Verde”, entre outros. Depois dele, o presidente Fernando Collor (PRN) veio duas vezes ao Maranhão, uma delas para declarar apoio a João Castelo, então inimigo do Grupo Sarney, mas o então governador João Alberto foi devidamente comunicado da visita presidencial. Nos seus oito anos de governos, o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) visitou o Maranhão três vezes, dando grande dimensão a cada visita. O presidente Lula da Silva (PT) fez várias visitas ao estado ao longo dos seus dois mandatos, o mesmo acontecendo com a presidente Dilma Rousseff (PT).

A visita do presidente Jair Bolsonaro diferiu de todas. Para começar, seu desembarque se deu sem um traço sequer do que o ex-presidente José Sarney (MDB) chama de “liturgia do cargo”. Suado, de manga de camisa e mostrando os contornos de um colete à prova de balas, não usava máscara e parecia comandar uma tropa caótica. Acompanhado do senador Roberto Rocha (PSDB), seu ativo porta-voz, o presidente foi recebido por nove dos 18 deputados federais Edilázio Júnior (PSD), Aluízio Mendes (PSC), Juscelino Filho (DEM), André Fufuca (PP), Pedro Lucas Fernandes (PTB), Cléber Verde (Republicanos), Pastor Gildenemyr (PL), Júnior Lourenço (PL) e Merreca Filho (Patriotas). Não houve registro da presença de deputados estaduais, nem o deputado Pará Figueiredo (PSL), que num dos raros discursos que fez declarou apoio ao Governo Bolsonaro, e a deputada Mical Damasceno (PTB), que vez por outras discursa apoiando posições bolsonaristas do Governo Federal. Não foi registrada também a presença de prefeitos da região nem de vereadores de São Luís.

Dos candidatos a prefeito de São Luís, o único que esteve no aeroporto foi Silvio Antônio (PRTB), mas não teve acesso à comitiva e só conseguiu um aperto de mão depois de haver atropelado apoiadores escanchado no pescoço de um partidário. O presidente provavelmente o cumprimentou sem saber que ele o candidato do partido do vice-presidente Hamilton Mourão à Prefeitura de São Luís.

 

Piada de Bolsonaro valorizou a criação do socialista Jesus Gomes

Jesus Gomes e sua criação cor-de-rosa: ambos com  prestigio que Jair Bolsonaro jamais terá no Maranhão

O presidente Jair Bolsonaro provavelmente não provaria Guaraná Jesus e recomendaria que seus apoiadores não o fizessem também se soubesse que seu criador, Jesus Norberto Gomes, um farmacêutico que dedicava a maior parte do seu tempo pesquisando fórmulas para medicamentos, foi também um cultivador dos ideais de esquerda, defensor do socialismo e que se declarava ateu. Foi perseguido por causa das suas convicções, mas se manteve firme e respeitado pela grande maioria dos maranhenses por sua estatura moral e ética. A piada de mau gosto do presidente Jair Bolsonaro com o Guaraná Jesus certamente reforçará a memória de Jesus Gomes e, em vez de desmerecer, valorizará ainda mais o sonho cor-de-rosa das crianças maranhenses.

São Luís, 30 de Outubro de 2020.

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