Na entrevista que concedeu há duas semanas à revista Isto É, que continua repercutindo nos bastidores e nas rodas de conversa política, o governador Flávio Dino (PCdoB) manteve a retórica carregada ao fazer declarações fortes como “Acabamos com as quadrilhas que operavam no Governo do Maranhão” e “É impossível que a gente corrija em 30 dias tudo de errado que fizeram em 50 anos”. Político com os pés no chão e conhecedor, como ex-magistrado federal, dos limites da liberdade de informação, o governador, mesmo exercendo o direito pleno de se manifestar nesse tom para anunciar a boa nova, ficou devendo à sociedade informações mais detalhadas a respeito de tais quadrilhas. E na esteira do anúncio que felicita o cidadão, disparou, provavelmente sem perceber, “fogo amigo” contra aliados.
Quadrilhas – No que diz respeito à afirmação de que seu governo acabou “com as quadrilhas” que “operavam no Governo” e “assaltavam os cofres” do Estado, qualquer avaliação simples e isenta levará a duas situações. A primeira é identificar resquícios do discurso de campanha no qual o candidato a governador prometeu acabar com então supostos grupos de bandidos que estariam roubando dinheiro público. Outra coisa é o governador do Estado, agora como ente institucional, afirmar que seu governo acabou “com as quadrilhas” que assaltavam os cofres públicos.
Ao candidato é tacitamente facultado o direito de fazer promessas do gênero, ainda que não dê nome aos bois. Já do governador se espera o preto no branco: identificação das quadrilhas, dos seus integrantes, onde atuaram, quando atuaram e quanto roubaram. Isso porque sua declaração não foi genérica, do tipo “Acabamos com quadrilhas”, mas enfática e precisa: “Acabamos com as quadrilhas”, o que em bom português significa dizer que havia um número determinado de quadrilhas sugando as entranhas do Estado.
Quadrilha no sentido expressado pelo governador Flávio Dino é um grupo formado por bandidos que assaltam os cofres do Estado pela via do desvio e da corrupção. Daí a premissa de que a colocação de tudo em pratos limpos é um dever do governante para com a sociedade que lhe deu o mandato e que dele espera a mais completa transparência, seja em manifestação pessoal, seja por meio de porta-vozes autorizados. Isso porque declarações desse tipo e com esse tom criam naturalmente um sentimento de forte expectativa no cidadão comum, para quem quadrilha tem um conceito cru, o que impõe que seus integrantes devem ser levados ao conhecimento público, doa em quem doer. Afinal, segundo o governador, tais quadrilhas roubavam dinheiro público, recursos de todos para custear os serviços públicos – educação, saúde, segurança infraestrutura, etc. Nada mais correto, portanto, do que não deixar pedra sobre pedra, num exercício pleno e saudável de transparência.
Fogo amigo – Não se sabe se conscientemente ou sem se dar conta, o governador Flávio Dino bateu forte nos seus adversários na entrevista a Isto É, mas também atingiu aliados, quando disparou ataques aos 50 anos do sarneysismo. Explica-se: ao longo das cinco décadas em que o grupo Sarney deu as cartas, o Estado foi governado durante 20 anos, ora por adversários de Sarney e ora por aliados diretos ou indiretos do atual chefe do Poder Executivo. Foram quatro anos do governo Nunes Freire, três anos e sete meses do governo João Castelo, quatro anos do governo Luiz Rocha, três anos e sete meses do governo Epitácio Cafeteira, cinco anos do governo José Reinaldo Tavares e dois anos e cinco meses do governo Jackson Lago, que nunca foi aliado de Dino, mas também nunca foi ligado ao grupo Sarney. Todos desta relação são suspeitos de terem cometido erros, se o discurso do governador se limitar a uma observação genérica.
Sarneysista de primeiro time, João Castelo foi duramente atacado pela oposição nos anos 80, virou estrela oposicionista quando rompeu com Sarney, mas voltou a apanhar do grupo agora no poder quando disputou a Prefeitura de São Luís com o atual governador Flávio Dino, a quem venceu nas urnas em 2008, e com Edivaldo Holanda Jr, que o derrotou em 2012, reatando relações amigáveis em 2014. Assim, Castelo é alcançado pela metralha verbal do governador Flavio Dino.
O ex-governador Luiz Rocha, um dos mais expressivos representantes do sarneysismo, de quem se afastou e que não viveu para ver a ruptura e conhecer o político Flávio Dino, é alcançado pelo “fogo amigo” na pele dos seus dois filhos, o senador Roberto Rocha (PSB) e o prefeito de Balsas, Luiz Rocha Filho, e o neto, o vereador por São Luís, Roberto Rocha Filho (PSB), todos aliados do governador.
O ex-senador Epitácio Cafeteira, já afastado da cena política e hoje curtindo justa aposentadoria em Brasília, entra na mira genérica do governador não obstante o fato de que seu herdeiro, deputado Rogério Cafeteira (PMN), ser hoje o líder do governo Flávio Dino na Assembleia Legislativa. No comando do Estado durante 42 longos e movimentados meses, Cafeteira foi figura de proa nos 50 anos sarneysistas quando governou o Maranhão entre 1987 e 1990, como aliado principal do presidente José Sarney. É verdade que fez um governo independente, mas governou com o respaldo político da maioria sarneysistas na Assembleia Legislativa.
Um dos astros do grupo Sarney até o rompimento em 2003, após reeleger-se governador, José Reinaldo Tavares foi um dos principais articuladores da candidatura de Flávio Dino ao governo, foi convidado para assumir a Secretaria de Minas e Energia e tem o sobrinho e braço direito, ex-deputado Marcelo Tavares, na chefia da Casa Civil, o cargo de maior peso político no governo. Poder-se-ia excluir José Reinaldo da lista, mas se isso for feito, a conta dos 50 anos invocados pelo governador não fecha, e a metralha contra o meio século sarneysista perde sentido.
O governador Flávio Dino certamente não inclui Jackson Lago nesse rol, mas como não o exclui explicitamente, a conta dos 50 anos perdem dois anos e meio e o discurso acaba alcançando o legado do fundador do PDT.
É claro que, ao se manifestar com tamanha veemência, o governador visa atingir apenas a cúpula do grupo Sarney, a começar pelo próprio ex-presidente José Sarney, e a ex-governadora Roseana Sarney, seus adversários reais e a quem responsabiliza pelo atraso do Maranhão. Mas não há como ignorar o fato de que vários aliados seus respondem por muito do que foi feito no meio século de hegemonia do sarneysismo.
É compreensível que diante da metralhadora verbal do governador Flávio Dino ninguém queira vestir a carapuça – em política quase ninguém a veste – e admitir o leve incômodo do “fogo amigo”, mas não há dúvida, porém, que os próprios ex-governadores, seus descendentes e aliados sintam a estocada ao serem alvejados. Sabem, no fundo, que o governador não quer alcançá-los com seus petardos.
Enfim, num momento em que a palavra transparência é vedete no país, nada mais natural do que esperar dos agentes públicos, a começar pelo governador do Estado, informação clara, precisa e inquestionável. E no caso, identificar as quadrilhas desbaratadas e avaliar mais cuidadosamente o meio século sarneysista seria um bom exercício de transparência e de cuidado político e um grande serviço prestado ao eleitor a quem a ação foi prometida.
PONTO E CONTRAPONTO
Gastão de saída
Figura proeminente do PMDB, pelo qual iniciou sua trajetória parlamentar como deputado estadual nas eleições de 1986 e que construiu e consolidou com seis mandatos na Câmara Federal e teve interrompida com a derrota na última corrida para o Senado, Gastão Vieira inicia um movimento de saída do partido. Acha que o partido perdeu o rumo e está convencido de que não encontra mais espaço nas suas hostes. Admite que a decisão de se desfiliar do PMDB ainda não está inteiramente amarrada, mas revela que se o passo de sápida for dado mesmo, seu caminho será o PHS.
“Me aguarde”
Há um mês sem mandato parlamentar e recém-aposentado da Câmara Federal, Gastão Vieira vive um período de expectativa, mas sem maiores preocupações. A expectativa está relacionada com recados que tem recebido da presidente Dilma Rousseff dizendo para aguardá-la, o que significa dizer que o ex-ministro do Turismo será convocado para um cargo federal. Ele não faz a menor ideia do que a presidente está lhe reservando, e garante que não está nem um pouco preocupado com esse “mistério”. “O negócio é o seguinte: eu sou Dilma e foi defender a presidente com tidas as minhas forças”, declarou à coluna, numa clara demonstração de reconhecimento pelo tratamento que recebeu da presidente quando integrou sua equipe ministerial.
Sem novidade
Na edição de ontem, a coluna Painel, do jornal Folha de S. Paulo, trouxe a seguinte nota: Mágoa No café com Lula, o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) reclamou de a Petrobras ter abandonado em definitivo o projeto da refinaria Premium I, no Maranhão. Nenhuma novidade, já que Sarney tem circulado em Brasília com essa bandeira erguida, mesmo sabendo que a decisão da Petrobras é irreversível, pelo menos por enquanto. Não porque a presidente Dilma não queira uma refinaria no Maranhão, mas porque a Petrobras está quebrada e dificilmente encontrará parceiros que queiram compartilhar um investimento de U$ 20 bilhões. Ao ex-presidente, porém, é politicamente correto e conveniente manter a bandeira levantada.
Vozes na CPI
Os três representantes da bancada maranhense na CPI da Petrobras têm perfis políticos completamente e poderão até entrar em conflito durante as investigações. A deputada Eliziane Gama (PPS) participa como voz da oposição e, por orientação do seu partido, vai bater forte no governo. Wewerton Rocha (PDT) será uma voz governista, já que seu partido está firme no apoio ao governo da presidente Dilma. Aloísio Mendes (PSDC), muito ligado ao ex-presidente José Sarney, seguirá a orientação do seu grupo, podendo também adotar uma posição de independência.
Pode ser
A coluna ouviu de pelo menos quatro fontes bem informadas a especulação segundo a qual o empresário Lobão Filho estaria mesmo pensando na possibilidade de disputar a Prefeitura de São Luís no ano que vem. Dentro do PMDB o projeto é visto com simpatias, embora pemedebistas mais atentos recomendem cautela, avaliando que ainda é cedo para definições desse quilate.
São Luís, 27 de fevereiro de 2015.
Um comentário sobre “Hora de abrir o jogo e de ser cuidadoso”