O Carnaval de São Luís tem sido pródigo em homenagear figuras importantes da vida maranhense, já tendo levado para os aplausos na avenida personagens da vida real maranhense cuja importância está acima de qualquer discussão: a médica e revolucionária Maria Aragão, o ex-presidente da República José Sarney, a maga da cozinha Edimé Duailibe, o genial poeta Nauro Machado, o pai-de-santo Bita do Barão, o poeta e cronista José Chagas, entre muitos políticos, artistas, intelectuais, escritores, poetas, profissionais liberais, e por aí vai. Neste Carnaval, a Escola de Samba Unidos de Fátima fará um resgate que certamente entrará para a História das escolas de samba do Maranhão ao homenagear, in memorian, o médico e político Jackson Lago, que entre vitórias e derrotas chegou ao Governo do Maranhão. Sua trajetória, uma das mais ricas entre os políticos maranhenses, será contada no enredo “Jackson Lago… de Pedreiras ao Carcará da Ilha Rebelde. A Unidos conta a sua história”. A ex-primeira-dama Clay Lago, que com ele viveu o que amigos do casal definem como “uma bela história de amor”, se emocionou com a decisão da escola de homenagear o ex-governador e certamente participará do desfile em lugar de destaque.
Para começar, a Unidos de Fátima se fortaleceu como escola como uma espécie de braço do PDT no Carnaval de São Luís, fazendo contraponto com a Flor do Samba, agremiação apontada como a representação do Grupo Sarney no grupo das escolas. A “Unidos” tinha a cara do brizolismo local, sempre torcendo o nariz para o poder e sempre puxando seus enredos temas mais próximos ao universo da esquerda no Maranhão. Tanto que viveu seus anos supremos de campeã quando a figura política de Jackson Lago estava no poder. Mesmo pessoalmente arredio à festança momesca, o Jackson Lago prefeito e governador foi um incentivador do Carnaval. E é exatamente por ter sido ele o apoiador e inspirador dos seus enredos que a “Unidos” resolveu romper um isolamento de três carnavais, reunir meios e voltar à passarela mostrando o médico e o homem público que foi seu patrono.
Jackson Lago foi um gigante na História do Maranhão, com participação destacada e decisiva também no cenário nacional. Pedreirense nascido em 1º de novembro de 1934, foi um dos fundadores e líderes do PDT. E fez isso sem deixar de lado um competente exercício da medicina como cirurgião nos hospitais de São Luís, nem o de professor na Universidade Federal do Maranhão, contribuindo decisivamente para a formação de várias gerações de bons médicos. Apesar de todas as suas exigências e caprichos, a História não conseguiu separar o médico do político, pois eles viveram mais de cinco décadas em total harmonia. O gigante que foi na política, fundando e promovendo o PDT, um dos partidos mais importantes surgidos no país com a queda do regime militar, foi também grande como um craque em cirurgias torácicas, especialidade que trouxe para o Maranhão depois de anos e anos estudando e praticando no Rio de Janeiro, formou-se e se especializou ao longo da década 50 e parte dos anos 60, participando dos movimentos políticos e presenciando a conturbada transição da ditadura getulista para a democracia com a eleição do próprio Vargas, num processo tenso que levaria o presidente ao suicídio, a eleição de Juscelino Kubitschek, a eleição e renúncia de Jânio Quadros e que culminaria com o golpe de 1964 contra o Governo democrático de João Goulart.
O tamanho político de Jackson Lago comeeçou a se delinear quando ele assumiu abertamente duas posições: a combater a ditadura militar na linha do trabalhismo de Getúlio Vargas, aproximou-se de Jango e de Leonel Brizola, de quem se tornou amigo e parceiro. Incentivado por Neiva Moreira, então político de expressão nacional, mesmo no exílio, Jackson Lago se agigantou no cenário da política quando, liderado por Brizola, participou do célebre encontro de políticos trabalhistas de esquerda no exílio, em Lisboa (Portugal). Era um momento de crise na esquerda, com o fracasso da Terceira Internacional Socialista. A esquerda comunista, inspirada em Moscou, vinha perdendo terreno para a esquerda democrática, expressada no trabalhismo europeu e na socialdemocracia avançada pregada pelo líder alemão Willy Brant. Brizola, Jackson Lago, Neiva Moreira e Darcy Ribeiro optaram pela via moderada, impondo-se o compromisso de lutar para derrubar a ditadura no Brasil e, implantada uma nova ordem democrática, assumir o PTB e o legado político de Getúlio Vargas e João Goulart. E foi numa reunião em um café de Lisboa, no dia 17 de junho de 1979, que eles plantaram a semente do que viria a ser o PDT diante da manobra dos militares de negar-lhe o comando do PTB.
Enquanto não criou o seu partido, Jackson Lago militou no MDB, a grande frente de oposição ao regime militar. E por ele foi deputado estadual (75/79) e disputou a Prefeitura de São Luís em 1985 e perdeu para Gardênia Castelo (PDS). Seu primeiro grande salto político foi dado em 1988, quando rompeu com o governador Epitácio Cafeteira (PMDB), de quem era secretário de Saúde, para disputar, já pelo PDT, o comando de São Luís com o deputado Carlos Guterres (PMDB), candidato do Palácio dos Leões e com o aval do Palácio do Planalto, a quem impôs dura derrota. Venceu de novo a eleição para prefeito de São Luís em 1996 e se reelegeu em 2000. Renunciou em 2002 para disputar o Governo do Estado contra o governador José Reinaldo Tavares e perdeu, por conta de uma manobra protagonizada por Ricardo Murad, então no PSB. Mas seu prestígio reelegeu o prefeito Tadeu Palácio em turno único.
O maior momento político de Jackson Lago no Maranhão foi a derrota que ele impôs à então senadora Roseana Sarney (PMDB) na disputa para o Governo do Estado em 2006. O fez liderando uma frente que reuniu o então governador José Reinaldo Tavares e o ex-ministro STJ, Edison Vidigal. Além do forte impacto que causou no Maranhão, a vitória de Jackson, valorizada por derrotar a ex-governadora Roseana Sarney (PMDB), ganhou o mundo. Afinal, sua eleição desbancaria do poder o grupo liderado pelo então senador José Sarney, quebrando uma hegemonia eleitoral iniciada em 1982 com a eleição de Luis Rocha, depois de três governadores escolhidos pelos militares e avalizados por Sarney – Pedro Neiva, Nunes Freire e João Castelo. Foi uma virada política espetacular, mas a briga politica seguiu para o tapetão da Justiça Eleitoral e dois anos depois Jackson Lago, num movimento judicial iniciado em 2006 pelo então promotor eleitoral Juarez Medeiros e incorporado pelo grupo sarneysista, que denunciou o governador eleito por fraude eleitoral. Jackson Lago lutou uma luta desigual e caiu em 2009, por decisão do TSE, numa ação que seus aliados chamam até hoje de “golpe judicial” e os adversários garantem que foi legal.
Deputado estadual, três vezes prefeito de São Luís e governador do Maranhão, Jackson Lago foi um coerente implacável e não um radical como era visto por alguns. Nunca arredou um centímetro da luta política contra o sarneysismo, usando sempre um discurso duro, mas recheado de coerência. E politicamente indiscutível. Mas isso não o impediu de, como prefeito de São Luís, conviver muito bem com o então governador João Alberto (PMDB) e no segundo mandato de prefeito dialogar institucional e politicamente com a então governadora Roseana Sarney, que o apoiou na corrida para o segundo mandato de prefeito, mas sem o compromisso do toma-lá-dá-cá. Quando governador, manteve o discurso contra os adversários sarneysistas, mas seu foco mesmo foi o projeto reformista que envolvia reforma agrária, supressão de privilégios e políticas prioritárias nas áreas de saúde e educação.
O líder do PDT voltaria a disputar o Governo em 2010, mas o fez muito doente devido à luta contra um câncer na próstata. Participou da campanha visivelmente debilitado, fazendo um esforço sobre-humano para parecer bem. Muitos amigos, aliados e até adversários criticaram a participação dele naquela que foi a sua última corrida ao voto, mas ele resistiu e foi em frente, como que se despedindo das lutas políticas. Jackson Lago faleceu no Hospital das Clínicas, em São Paulo, no dia 4 de abril de 20011, seis meses depois da maratona eleitoral. Poucos atos públicos ocorridos em São Luís se comparam à comoção popular diante da sua partida. Naquele momento, os maranhenses esqueceram as diferenças políticas e reverenciaram, de maneira comovente e respeitosa, um cidadão exemplar, um profissional competente e um líder político que fez da coerência e da honestidade de propósitos o seu principal legado.
É o Jackson Lago de uma cara, que os ludovicenses devem identificar nas imagens criadas pelo carnavalesco Léo Lima, que serão produzidas no desfile da Unidos de Fátima, no início da madrugada de segunda-feira sambódromo da Areinha, onde o Carnaval de São Luís vai mais uma vez fazer História.
Em tempo: a homenagem da Unidos de Fátima a Jackson Lago nasceu de um esforço da direção da escola, formada por Ribão D`Oludô (presidente), Djalma Rodrigues e Jeová França (diretores) e Léo Lima (carnavalesco). O entusiasmo dessa turma emocionou a viúva Clay Lago e alcançou e contagiou o PDT de ontem e de hoje.
PONTO & CONTRAPONTO
Turma do Quinto também homenageia o seu ídolo
A Turma do Quinto vai também homenagear um gigante, este da música: o cantor Gabriel Melônio. Nascido em Anajatuba, crescido como artista na Madre Deus, onde é um dos ídolos dos cultores da música e da cultura maranhenses. Melônio é uma das maiores expressões das mais recentes gerações de intérpretes, incluindo suas mais de duas décadas como puxador de samba oficial da escola da Madre Deus, que agora retribui a força que dele vem recebendo há décadas. O enredo que vai retratar o artista na avenida é “Anjo Gabriel”. Dono de uma voz doce e refinada, educada por anos de uso correto, Gabriel Melônio é um curinga que consegue incluir diferentes gêneros no seu repertório. É, por essa e outras virtudes – inclusive na condição de ser humano – é um desses fenômenos culturais raros, mas que não nasceu da improvisação. Ainda criança e desde cedo demonstrou inclinação pela música, deixando claro o rumo profissional que seguiria. Começou a cantar profissionalmente há mais de cinco décadas, depois de participar de um concurso de calouros na antiga Rádio Ribamar. Desde então, cresceu profissionalmente, aperfeiçoando o seu canto e participou de inúmeros projetos, como shows, discos e espetáculos musicais. O mais longevo deles é sua intepretação das canções conhecidas pela voz magistral de Elis Regina, em quem sempre se inspirou como intérprete que ele apresenta anualmente, tornando-o um dos shows mais vistos em São Luís e outros centros culturais. Gabriel Melônio fez parte, nos anos 70, do Grupo RTA – Regional Tocada a Álcool e, em seguida, foi convidado para a Turma do Quinto para ser o seu ori9ncipal puxador de samba, convite que aceitou festejando. Já em 1986, participou do Projeto Pixinguinha, onde cantou ao lado de Jerry Adriane, Leila Pinheiro e Elba Ramalho. No início dos anos 90, cantou na grande festa ao ar livre que marcou a visita do Papa João Paulo II a São Luís. Ao homenagear Gabriel Melônio, a Turma do Quinto homenageia também todos os cantores da geração do Anjo Gabriel, e das mais recentes, como Inácio, Cláudio, Papete e muítos outros, além de gigantes da música popular cujas – todas primas – como César Teixeira, José Pereira Godão e Botão, e ainda a si própria, já que Gabriel é a própria imagem da escola madredivina, e à qual já deu muitos títulos como intérprete de alguns dos sambas mais geniais levados para a avenida nas ultimas três décadas. Homenagem mais que justa.
São Luís, 6 de Fevereiro de 2016.