Um vespeiro foi assanhado na Assembleia Legislativa pelo deputado Othelino Neto (PCdoB), 1º vice-presidente da Casa e uma das vozes governistas mais contundentes em relação ao que restou do Grupo Sarney. Invocando um legalismo de difícil contestação, o que lhe dá uma enorme vantagem no embate, o parlamentar propôs formalmente a criação de uma comissão especial de deputados para examinar a legalidade dos nomes que batizam prédios e logradouros públicos no Maranhão. O objetivo, segundo sustenta, é fazer valer lei estadual, baseada na Constituição do Estado, que proíbe dar nome de pessoas vivas a prédios, logradouros e espaços públicos. A iniciativa do deputado comunista naturalmente visa fustigar estrelas do sarneysismo, a começar pelo próprio ex-presidente da República, mas as primeiras reações emitiram sinais de que polêmicas fortes e apaixonadas serão travadas se o requerimento for aprovado – e pelo visto o será.
Essa não é uma discussão nova, vem desde os anos 70, quando a ditadura militar, incomodada com a homenagem de personalidades políticas que a combateram passou a ser uma maneira de minar o regime. A decisão foi editar uma lei proibindo tal homenagem a pessoas vivas. O processo avançou nos estados, que também editaram leis com o mesmo teor, que foram ratificadas pela Assembleia Nacional Constituinte na Carta Magna de 1988 e nas Constituições Estaduais de 1989. No afã de criar regras constitucionais, os legisladores constituintes editaram norma seca, sem ressalvas, deixando para futuros governantes, parlamentares e Ministério Público uma confusão monumental.
O Maranhão é um caso muito especial, e o deputado Othelino Neto, que não perde a oportunidade de alfinetar o Grupo Sarney, encontrou nesse mote a burduna que precisava para alimentar o embate. Com os mais diferentes argumentos, e muitas vezes sem nenhum, prédios, logradouros e espaços públicos foram batizados ao arrepio da lei. E o que mais chama atenção é que os homenageados, que deveriam reagir à ilegalidade, receberam a homenagem em clima festivo, não dando a mínima para o que rezam as normas.
Sempre impressionou a alguns observadores mais atentos o fato de o poeta Ferreira Gullar, um militante de esquerda, que sempre criticou duramente desvios de qualquer natureza, tenha aceitado ceder seu nome para batizar a extensão da Avenida Litorânea que liga a Lagoa da Jansen à Avenida Carlos Cunha, no Jaracaty. Não vale o argumento de que não sabia. Questionamentos foram feitos à época, mas a governadora Roseana Sarney encontrou a brecha para driblar a lei. Gullar não merece? Merece muito mais, só que a homenagem é ilegal. Na mesma data o Governo do Estado homenageou o poeta José Chagas, crítico implacável de malfeitos, então com plena saúde, deu seu nome à praça ao lado da Lagoa da Jansen, na festa com a presença de Ferreira Gullar.
Na sequência, Roseana batizou o viaduto da Avenida dos Franceses como “Alcione Nazareth”. Injusto? De jeito nenhum. Por tudo o que faz pela música e pela cultura do Maranhão, “Marrom” merece quantas homenagens lhe forem prestadas. Só que no caso do viaduto, a boa vontade atropelou a lei. É o caso da Avenida Litorânea, que por lei estadual, que contraria a Constituição, se chama “Avenida Edison Lobão”. Dois municípios maranhenses levam nomes de políticos vivos: Presidente Sarney e Governador Edison Lobão. Personalidades vivas como ex-governadores, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores, parentes e artistas vivos nomeiam espaços públicos ilegalmente.
O caso mais emblemático e rumoroso do Maranhão e do país é o prédio do Tribunal de Contas do Estado (TCE), batizado de “Governadora Roseana Sarney Murad”. Não há nada comparável, e não há como justificar. Como identificar o prédio de uma corte de contas com o nome do governante em exercício? Há informações de que foi iniciativa pessoal do então presidente Yedo Lobão, que enfrentou divergências internas e críticas externas, mas manteve a escolha no que seria um gesto de agradecimento pela “força” que a então governadora deu para a construção da nova sede do TCE. Sempre que questionada sobre o assunto, Roseana Sarney livrou-se da pressão lembrando que nada fez para ser alvo da homenagem.
A proposta do deputado Othelino Neto reabre essa discussão, baseada num argumento simples e fatal: batizar espaço público para homenagear pessoas vivas é ilegal, tenham elas o tamanho político, cultural, intelectual e moral que tiverem. Não tem importância prática alguma, mas mexe com a vaidade, alguns outros sentimentos e deflagra um embate político e tanto.
PONTOS & CONTRAPONTOS
Situação incômoda
A proposta do deputado Othelino Neto mexeu o emocional de parte da bancada da oposição, principalmente com os deputados mais ligados à família do ex-presidente José Sarney. Ainda sem tom de confronto, apesar da pesada provocação do comunista, Adriano Sarney (PV), Andrea Murad (PMDB) e Edilázio Jr. (PV) reagiram. Adriano Sarney cobrou de Othelino Neto os critérios para identificar a ilegalidade, quando a resposta é uma só: pessoa viva, seja quem for, não pode dar nome a espaço público. Andrea Murad também se manifestou na mesma linha, acrescentando ter interpretado a iniciativa como perseguição política. O tom mais duro e também o mais contundente partiu de Edilázio Jr., acusando o deputado comunista de usar esse assunto para tripudiar politicamente sobre adversários.
Puxando a corda
A oposição na Assembleia Legislativa adotou definitivamente a tática de dar dimensão superior a fatos não tão importantes, e com isso vai criando embaraços ao Palácio dos Leões e dando trabalho extra ao líder governista, deputado Rogério Cafeteira (PSC). Depois do alarde que fizeram sobre a licitação para a contratação de empresa aérea para servir ao governo, os deputados Andrea Murad (PMDB) e Edilázio Jr. (PV) requentaram, ela aluguéis que denuncia extorsivos, ele os contratos firmados pelo governo, como o da BR-Construções com o Detran.
Acordo e aval
Em dois atos com o mesmo objetivo, um no Palácio Clóvis Bevilacqua, sede do Poder Judiciário, e outro no Palácio dos Leões, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Ricardo Lewandowski, firmou com o Poder Judiciário e com o Poder Executivo do Maranhão Termo de Compromisso que visa implementar medidas de adequação do Sistema de Justiça Criminal no Estado. O primeiro ato aconteceu na sede do Poder Judiciário e foi firmado com a presidente, desembargadora Cleonice Freire. O segundo na sede do Poder Executivo foi firmado com o governador Flávio Dino. O presidente do Poder Legislativo, deputado Humberto Coutinho (PDT) deu o aval institucional ao acordo do Judiciário e do Executivo com o Supremo e o CNJ.
São Luís, 22 de Junho de 2015.