Passada a tsunami que invadiu o plenário do Palácio Manoel Beckman com a surpreendente e já histórica eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa (13/11), quando a base governista, antes calculada entre 35 e 37 dos 42 deputados, rachou feio na escolha do presidente, tendo a titular do cargo e candidata à reeleição, deputada Iracema Vale (PSB), recebido 21 votos, contra 21 dados ao seu oponente, deputado Othelino Neto (Solidariedade), vencendo ela pelo critério da maior idade, tudo leva a crer que nada será com o antes na relação do Palácio dos Leões com o seu pilar partidário de sustentação.
O novo modus vivendi começou a ser desenhado em reunião fechada na sede do Governo, na tarde-/noite de quinta-feira (14/11), da qual a única informação concreta que chegou à Coluna foi a de que o governador Carlos Brandão (PSB), após livrar-se da onda frenética de teorias da conspiração, boatos e muitos fuxicos, fez uma avaliação profunda e ampla do cenário e decidiu operar uma mudança arrojada na base parlamentar governista. Ou seja, nada será como antes no quartel parlamentar.
E como será de agora por diante? Para começar, o Palácio dos Leões já sabe exatamente quem votou em quem, e os motivos que produziram a cinematográfica infidelidade. E com base nesse cenário, embarcou para uma semana de férias no exterior levando na bagagem o quebra-cabeça cujo desafio é reestruturar sua base de apoio, de modo a recalibrar a sua relação com o parlamento estadual. A expectativa é a de que, avaliando a posição de cada deputado aliado que negou voto à presidente Iracema Vale e turbinou a votação de Othelino Neto, a base seja reconstruída com 28 a 30 deputados, considerando que 12 farão parte da oposição.
A decisão do governador Carlos Brandão de endurecer o jogo se sustenta na suspeita de que o movimento que rachou a base governista na eleição para presidente e vice-presidente da Assembleia Legislativa não se deu por uma “rebelião” pontual e aberta, com posições claras e bem definidas, discursos explicativos e tudo o mais que compõe revezes dessa natureza. O racha na base governista se deu no plano do sigilo absoluto, com uma preparação jamais vista nos bastidores do parlamento estadual. Foi muito mais surpreendente do que a histórica eleição, em 1984, dos delegados maranhenses ao Colégio Eleitoral que levaria Tancredo Neves e José Sarney ao comando da República, quando a banda malufista da bancada governista comandada pelo então governador Luiz Rocha foi confinada na mansão do deputado Nagib Haickel. E mais recentemente, a virada, em 2011, na qual o deputado Ricardo Murad foi dormir “presidente eleito” da Assembleia Legislativa, e na manhã seguinte foi atropelado pela eleição do deputado Arnaldo Melo.
Lastreado por uma eleição incontestável, resolvida no 1º turno, o governador Carlos Brandão enxerga, no racha da sua base, um projeto bem mais amplo, do que a eleição do deputado Othelino Neto como ponto de partida. E para manter a situação sob controle rígido e firme, vai montar um suporte parlamentar leal e sem risco de ser surpreendido por reviravoltas como a do dia 13. Isso porque a principal conclusão da avaliação é que, depois do que foi definido como “recado”, os adversários do Governo vão continuar jogando pesado, exigindo do Palácio dos Leões uma ação política muito mais intensa e eficiente.
O governador e o “núcleo duro” do Governo sabem que de agora em diante o que foi “normalidade” virou clima de “pé de guerra”. Estão convencidos de que os remanescentes do “dinismo” formam a espinha dorsal da oposição ao seu Governo. E que, finalmente, não há outro caminho que não o de criar os anteparos e planejar os contra-ataques. Um deles será, portanto, a remontagem da sua base na Assembleia Legislativa.
PONTO & CONTRAPONTO
Versões sobre os reais motivos da surpresa na eleição da AL estão reduzidas a duas
Se tivesse vencido a eleição para presidente da Assembleia Legislativa – o que não aconteceu por falta de um único voto -, o deputado Othelino Neto e o grupo que o apoiou teriam feito também o deputado Júlio Mendonça (PCdoB) 1º vice-presidente e o deputado Fernando Braide 1º secretário, formando a base do poder real no parlamento estadual.
“Eles iriam tentar tirar o governador Carlos Brandão”, especulou um deputado governista experiente. “Não, isso não é verdade”, contradisse um deputado igualmente experiente do grupo dinista. E acrescentou: “Foi apenas um recado contra o tratamento dado aos deputados”.
Há um pouco de verdade nas duas avaliações. Se fosse apenas um recado de deputados insatisfeitos a votação de Othelino Neto não teria alcançado 21 votos, levando a decisão para o critério da maior idade. Um recado contundente seria dado, no caso, com 16 dos 42 votos, por exemplo. O grupo opositor diz que a eleição da presidente não correu riscos, que eles só queriam mostrar força ao Palácio dos Leões.
Já em relação à suposição de que o movimento visou tomar o controle do Poder Legislativo, deputados que nela acreditam dizem que a oposição conseguiu articular 25 votos, mas que, na hora “H”, quatro deputados deram para trás. “Eles iam mesmo tomar o poder, e tomariam legitimamente”, arrematou o deputado governista, certo de que seria deflagrada uma baita crise institucional e, por via de consequência, haveria uma guerra declarada entre o Palácio dos Leões e o grupo adversário.
Os adeptos da “teoria da conspiração” chegaram ao requinte de criar um roteiro que terminaria com a cassação do governador Carlos Brandão e a posse definitiva do vice-governador Felipe Camarão (PT). Se o objetivo era esse, os oposicionistas perderam feio, porque, mesmo tendo mostra força, o resultado da eleição com Iracema Vale reeleita e Antônio Pereira (PSB) e Davi Brandão (PSB) eleitos 1º vice e 1° secretário fechou as portas do Legislativo estadual para qualquer tentativa de derrubar o Governo.
Mas o tempo dirá, logo, logo, o que esteve, de fato, por trás da eleição da Mesa da Assembleia Legislativa.
Férias de Brandão e interinidade de Camarão mostram normalidade institucional
Muita gente estranhou que o governador Carlos Brandão tenha viajado de férias com a família antes que a poeira da crise desencadeada pela eleição na Assembleia Legislativa tenha baixado inteiramente. O espanto de alguns foi com o fato de o governador passar temporariamente o bastão de comando ao vice-governador Felipe Camarão (PT).
O que alguns precisam entender é que eventuais diferenças políticas não podem se misturar com as obrigações institucionais. Felipe Camarão é o vice-governador, e não há como mudar esse fato. Além disso, entre ele e o titular existe uma relação de confiança que até agora não foi afetada pelas tensões políticas causadas com o distanciamento dos dois grupos aos quais eles pertencem.
E por último, declarações recentes do vice-governador Felipe Camarão a uma emissora de TV do Piauí, nas quais defendeu um processo sucessório “natural”, com ele assumindo o governo e apoiando uma eventual candidatura do governador ao Senado, indicaram que a harmonia entre governador e vice continua. Essa “naturalidade” foi reafirmada pelo vice ao assumir o comando do Governo para cumprir a semana de interinidade.
Então, todos os fatos evidenciam que o governador pode curtir sua semana de férias sem preocupações e certo de que o Governo está em boas mãos.
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São Luís, 17 de Novembro de 2024.