O juiz Tyrone José Silva, que comandava a 4ª Vara Cível da Comarca de São Luís, foi eleito e empossado ontem desembargador do Tribunal de Justiça, por merecimento. Sua eleição se deu em disputa acirrada com a juíza Francisca Galiza, titular da 4ª Vara da Família, e com o juiz José Jorge Figueiredo dos Anjos, da 3ª Vara da Fazenda Pública. Os três foram os mais bem avaliados entre os nove magistrados que se candidataram à vaga aberta com a aposentadoria do desembargador Benedito Belo. O pleito movimentou os bastidores da Justiça estadual e transcorreu num ambiente animado, ora por incertezas normativas na condução do processo, ora por manifestações atípicas de um ou outro eleitor, e finalmente por uma animação incontida no plenário e no auditório.
Com a eleição de ontem, a corte maior de justiça do Maranhão estabiliza sua composição por algum tempo, já que não há aposentadoria prevista para até 2016. E se a PEC da Bengala for estendida aos Judiciários estaduais, o que é quase certo, os atuais membros do Colégio de Desembargadores poderão permanecer na função até completar 75 anos. Talvez tenha sido esse o motivo não declarado que tornou a eleição de ontem uma das mais disputadas dos últimos tempos. A começar pelo fato de que reuniu candidatos de quilates quase nivelados, apesar das diferenças de atuação, como Aureliano Neto, considerado um magistrado de primeira linha e sem rasuras; Raimundo Neris, membro destacado da magistratura estadual, e Oriana Gomes, uma lutadora em defesa da integridade da magistratura, para citar apenas três exemplos.
A eleição do juiz Tyrone Silva, como é amplamente conhecido, representou bem o grupo de candidatos, que foram julgados em itens como desempenho (o cuidado técnico e a eficiência nos julgamentos), nota máxima: 20 pontos; produtividade (número de processos julgados e de audiências realizadas), 30 pontos; presteza (como reagiu a questionamentos e indagações processuais), 25 pontos; aperfeiçoamento técnico (número de cursos que fez para melhorar desempenho e aumentar conhecimentos), 10 pontos, e adequação de conduta (postura ética), 15 pontos. Os 2.139 pontos que recebeu – Francisca Galiza recebeu 2.127 e José Jorge Figueiredo 2.117 – expressaram bem o nível dos concorrentes, que em sua maioria foram bem votados.
Batizado com nome de galã hollywoodiano dos anos 40, o juiz Tyrone José Silva consuma um projeto de vida que traçou quando ingressou na magistratura, ainda nos anos 80 e cumpriu fielmente todo o roteiro – alguns juízes chamam de Via Crucias – que um membro do Judiciário maranhense tem de vivenciar para chegar à entrância final e, assim, realizar o sonho de ser juiz na Capital. Por motivos os mais diversos, muitos não conseguem subir além das entrâncias intermediárias. Os que galgam todos os degraus desembarcam em São Luís também com a perspectiva de chegar ao topo, já que ao alcançar a tão sonhada entrância final lhe dá o direito de aspirar uma cadeira no Colégio de Desembargadores pelo critério do merecimento. Outros chegam lá pelo caminho natural da antiguidade, mas esses, via de regra, não vibram tanto.
As regras da eleição por merecimento são duras e às vezes ensejam manifestações como a do desembargador José Luis Oliveira, que ao votar criticou-as com contundência, por considerar que elas não identificam corretamente o perfil do magistrado-candidato ao se limitar a um conjunto de critérios quase numérico, quando um magistrado é gente que trata com gente e decide sobre a vida de gente. A visão dominante porém, se impôs: os desembargadores mergulharam na objetividade fria e apenas pronunciaram seus votos numéricos.
Mas nada se comparou ao voto do desembargador João Santana (foto). Ele resolveu justificar a pontuação de cada item de cada um dos nove candidatos, pronunciando nada menos que 45 discursos, alguns curiosos. Um deles: ao julgar o item produtividade do agora desembargador Tyrone Silva, Santana resolveu desqualificar uma sentença prolatada pelo titular da 4ª Vara Cível por conta de um suposto erro de grafia numa palavra que compõe uma expressão latina – o “cujus” da tal expressão estaria grafado “cujos” ou coisa parecida, o que para Santana matou a decisão. E logo em seguida ele próprio tascou verbalmente um “aniquelamento” – seria “aniquilamento”, que doeu em muitos ouvidos presentes. Não satisfeito, João Santana resolveu quebrar a regra e apresentar uma lista tríplice a partir dos nove candidatos que avaliou, o que é proibido. De pronto, a presidente em exercício da corte, desembargadora Anildes Cruz, interveio alertando-o sobre a incoerência, mas ele não lhe deu ouvidos e insistiu em anunciar sua própria lista. Só desistiu quando a desembargadora-corregedora Nelma Sarney falou alto e ameaçou invalidar a eleição e responsabilizá-lo pelas consequências.
No mais, ficou claro que antes de realizar um ato de tal complexidade, a presidência deve preparar um roteiro lastreado nas normas. O “é-assim-não-é-não” de ontem passou aos presentes a má impressão de que as regras não foram repassadas antes da sessão.
PONTOS & CONTRAPONTOS
Reforço no TRE/MA
Na mesma sessão, o Pleno do Tribunal de Justiça elegeu também os desembargadores Ângela Salazar e Ricardo Duailibe (fotos) substitutos dos desembargadores titulares do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/MA). Os dois substituirão, em caso de necessidade, o desembargador Lourival Serejo, que é o vice-presidente e corregedor da Justiça Eleitoral. Ângela Salazar será a primeira substituta, enquanto Ricardo Duailibe só poderá assumir vaga se ela não puder fazê-lo. Em tempo: o desembargador Antonio Guerreiro Jr. é o presidente do TRE/MA e só pode ser substituído pelo vice-presidente.
Correção ética
Antes de iniciar a eleição do novo integrante do Pleno do Tribunal de Justiça, o desembargador José Joaquim Figueiredo dos Anjos pediu a palavra para comunicar à presidente Anildes Cruz que devido ao fato de ter um irmão concorrendo à vaga, ele se ausentaria do plenário. Agiu com a correção esperada de um magistrado consciente, evitando um mal-estar que certamente amargaria se tivesse de ser lembrado da obrigação ética. O irmão do desembargador, juiz José Jorge Figueiredo dos Anjos, ficou em terceiro lugar na lista tríplice, na qual entrou pela terceira vez em eleição por merecimento. Pela regra, sua inclusão na lista lhe assegura a próxima vaga a ser preenchida pelo critério de merecimento.
PEC da Bengala
A extensão da PEC da Bengala aos Judiciários estaduais foi assunto intensamente comentado nas conversas que movimentaram o auditório e os bastidores do Tribunal de Justiça durante a eleição do novo desembargador. Além da eleição em si, contribuiu para reforçar o assunto a presença de vários desembargadores aposentados. Para muitos, é inadmissível que um magistrado com a saúde e a sanidade intelectual de Raimundo Cutrim tenha sido aposentado compulsoriamente aos 70 anos. O mesmo pode-se dizer do desembargador Mário Reis, que nem de longe parece um magistrado aposentado. E também do desembargador Stélio Muniz, que depois de muito tempo e em plena forma retornou ontem ao plenário do TJ.
São Luís, 24 de Junho de 2015.