Justiça barra perícia técnica pedida pelo governo para definir valor da dívida cobrada pela Constran

 

jorge rachid
Jorge Rachid não vê necessidade de perícia para recalcular  a dívida da Constran

 

A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça disparou ontem uma ducha de água fria na direção do Palácio dos Leões ao mandar para o arquivo morto recurso por meio do qual o Governo do Estado pretendeu garantir judicialmente a realização de uma perícia no valor de dívida contraída em 1985, no Governo Luís Rocha, cobrada pela empreiteira Constran – Construção e Comércio Ltda. – no valor de R$ 211 milhões. A perícia havia sido autorizada pela juíza Luzia Nepomuceno, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que julgou justo o pedido do Governo do Estado, mas a 1ª Câmara Cível acatou o entendimento do relator, desembargador Jorge Rachid, de a perícia é desnecessária, a começar pelo fato de que, segundo ele, o pedido do Governo não tem base legal.

Na avaliação do Governo do Estado, a dívida cobrada pela Constran –  contraída em 1985, no Governo Luis Rocha, já transformada em precatório e que vem sendo objeto de investigação policial por suspeita de fraude e corrupção -, o valor devido não ultrapassaria R$ 99 milhões. Com base nessa estimativa, o Governo acha que o valor foi inflado em nada menos que R$ 112 milhões, ou seja, mais que o dobro do que seria o valor real. Para o Governo, essa suspeita só seria esclarecida com a realização da perícia. Além de várias outras alegações jurídicas, como a da inadequação do pedido e da concessão feita pela juíza do 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, o relator convenceu a 1ª Câmara Cível de que a verificação do valor poderá ser feita por meio de cálculos de matemática financeira pela Contadoria do Estado, sendo, portanto, desnecessária uma perícia técnica.

A decisão da 1ª Câmara Cível é mais um desdobramento da prisão do doleiro Alberto Youssef em São Luís, no Hotel Luzeiros, dia 17 de março de 2014, nos primórdios da Operação Lava-Jato, que investiga o megaescândalo de corrupção na Petrobras e que hoje ameaça as principais cabeças da República, alcançando, no Maranhão, ninguém menos que a ex-governadora Roseana Sarney (PMDB) e o ex-ministro de Minas e Energia e senador Edison Lobão (PMDB). Principal operador do esquema de corrupção na petroleira, Youssef contou à Polícia Federal que sua vinda ao Maranhão nada teve a ver com a Petrobras, mas para entregar R$ 1,4 milhão, em espécie, a um graúdo do Governo Roseana – que poderia ser o chefe da casa Civil do Governo do Maranhão, João Abreu – como propina pelo acordo feito com a Constran.

O acordo com a Constran é o seguinte: a dívida foi contraída em 1985 pelo governador Luis Rocha. A Constran tentou receber do governador Epitácio Cafeteira, mas este não lhe deu atenção. Em nova investida, a empreiteira tentou receber do governador Edison Lobão, que, em vez de pagar, transformou a dívida em precatório, em 2003. De lá para cá, a Constran tentou emplacar o precatório nos orçamentos de todos os governos. Como não obteve sucesso por meio de acordo, partiu para a cobrança na Justiça. Depois de muito devo-não-nego-pago quando puder, a  Justiça decidiu colocar a faca no pescoço da governadora Roseana Sarney, com ameaça legal até de intervenção no Estado. Esgotados todos os recursos judiciais, o governo Roseana, representado pela procuradora geral Helena Haickel, pelo secretário de Planejamento João Bringel, um representante do Ministério Público e com o aval da Justiça, sentou com a Constran, e negociou o seguinte: R$ 123 milhões divididos em 24 parcelas. A Constran topou, o governo comemorou e o Ministério Público e a Justiça viram o acordo como um exemplo a ser aplicado em outros precatórios no Maranhão e até em outros estados.

Toda aquela articulação bem sucedida e exemplar, festejada dentro e fora dos círculos oficiais, perdeu sentido e caiu na lama na noite em que o doleiro Alberto Youssef foi preso no Hotel Luzeiros. A revelação de que por baixo da mesa houve uma negociação suja entre a Constran e graúdos do governo Roseana, articulada por ele próprio e envolvendo propina de R$ 6 milhões, surpreendeu o Ministério Público e a Justiça. Logo em seguida, Rafael Ângulo, braço direito de Alberto Youssef, declarou à Polícia Federal que viera a São Luís em duas ocasiões, trazendo dinheiro vivo sob as roupas, e entregou as boladas no Palácio dos Leões. E como não poderia deixar de ser, diante da denúncia bombástica, o novo governo, comandado por Flávio Dino (PCdoB), se negou a manter o acordo. E depois de uma primeira investigação, levantou a suspeita de que o valor original foi turbinado pela Constran. A empresa brigou para manter o acordo, mas a resposta foi negativa.

A decisão da 1ª Câmara Cível, com base no entendimento do desembargador-relator Jorge Rachid, é mais um desdobramento, favorável à Constran. Em resumo: esse caso foi um contrato de governo, se transformou  numa dívida que ninguém quis pagar, ganhou forma de precatório, gerou até ameaça de intervenção, foi, finalmente, objeto de negociação exemplar e institucionalmente avalizada, mas que, para surpresa e indignação de todos, acabou se transformando num caso de polícia. E com um detalhe que cheira a deboche: diferentemente da Operação Lava Jato, cujos desdobramentos todo o país conhece, o inquérito que apura o caso a partir da revelação do doleiro corre em segredo de Justiça.

 

 

PONTOS & CONTRAPONTOS

 

Natalino de fora

O reitor da UFMA, Natalino Salgado, estaria arquivando de vez o projeto de se candidatar a prefeito de São Luís nas eleições do ano que vem. Ele chegou a ser sondado por pelo menos cinco partidos, mas avaliou bem o cenário e chegou á conclusão de que nesse jogo se dá melhor quem é político profissional, e não necessariamente o bom gestor público, categoria na qual se inclui. Com um lastro indiscutível de excelência administrativa – revolucionou o Hospital Universitário e transformou a UFMA numa referência regional -, o médico e professor universitário já planeja seu futuro após deixar o comando da instituição, no final do ano: vai dar aulas e clinicar. Mas há quem diga que tão logo ele deixe o cargo, será convocado para outro desafio no serviço público.

 

São Luís, 23 de Julho de 2015.

 

 

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