Em meio à curiosa situação em que o juiz Douglas Martins, autor da medida reclama estar sendo duramente criticado e até ameaçado de morte nas redes sociais, enquanto o governador Flávio Dino (PCdoB) cumpre a decisão concordando que ela é necessária, a Ilha de Upaon Açu, onde estão São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, que formam a região metropolitana da Capital, entra para crônica universal da pandemia de Copvid-19, causada pelo voraz novo coronavírus, como a primeira região urbana do Brasil a ser submetida a bloqueio total (lockdown) como medida extrema para evitar a propagação da praga mais devastadora deste século. Já foi informado pela Coluna, mas é bom lembrar, que a medida afeta diretamente cerca de 1,5 milhão de habitantes, o que corresponde a 20% da população maranhense, cuja maioria terá de ficar confinada em casa, enquanto os que vão poder circular terão de fazê-lo portando documento que possa justificar o seu deslocamento.
O que há de mais radical no controle da população em tempos de crise sanitária, o bloqueio total de uma cidade ou de uma região é uma medida extrema, já que ficar em casa torna-se uma imposição, que pode resultar em muitas dores de cabeça para quem transgredi-la. Salvo ambulâncias, carros funerários, viaturas policiais, táxis, coletivos, veículos de carga, carros particulares (com uma boa explicação – trabalho essencial, farmácia, etc.), motos particulares e de entregadores, nenhum veículo poderá circular, entre as cidades ou deixar a Ilha, o mesmo acontecendo com os que vierem do continente para entrar na Ilha. Nesse contexto, o Aeroporto do Tirirical, onde pousos e decolagens de tornaram escassos, a estação Rodoviária, que já estava às moscas, e o sistema de ferry boat, que já vinha sob forte pressão, poderão ficar fantasmagóricas com o bloqueio total.
Alguns intérpretes do bloqueio total cometem erros quando relativizam as consequências previstas para quem pisar na bola e desrespeitas as regras contidas no decreto assinado pelo governador Flávio Dino com base na decisão do juiz de Interesses Difusos e Coletivos. Ao contrário do que instituía os decretos anteriores, que continham mais recomendações do que normas rígidas, o bloqueio total joga pesado. A partir de hoje, e durante 10 dias, o transgressor das regras do bloqueio total poderá ser multado e até mesmo preso, dependendo da gravidade da transgressão. A Polícia vai estar nas ruas para recomendar, organizar, conter, mas também para tirar infratores de circulação.
Como é próprio numa democracia, houve muitas manifestações favoráveis à medida, mas houve também quem a criticasse duramente. Os apoiadores do bloqueio total enxergaram acerto na decisão do juiz Douglas Martins, titular da Vara de Interesse Difusos e Coletivos, a começar pelo fato de que ela tem como fundamento uma Ação Civil Pública assinada por promotores das quatro comarcas da Ilha, preocupados com o grau de desobediência civil às medidas decretadas pelo Governo do Estado. Por outro lado, seus críticos interpretaram-na como intromissão descabida na seara do Poder Executivo. Ou seja: uns viram nele um herói, e outros, um vilão.
Pragmaticamente indiferente à discussão travada em torno do juiz Douglas Martins – que, diga-se de passagem, parece determinado a defender todas os verbos e vírgulas da sua decisão, apesar da ameaça de morte por ele denunciada -, o governador Flávio Dino fez sua parte como chefe do Executivo estadual: acatou a medida sem discussão e viabilizou as providências para implantá-la partir de hoje nos quatro municípios da Ilha. A expectativa do governador e da equipe de frente que comanda no enfrentamento ao tsunami sanitário é que o bloqueio total interrompa a curva ascendente de casos e mortes por Covid-19 no Maranhão, pelo menos ao nível em que a estrutura hospitalar disponível acolha os infectados, de modo a assegurar-lhe o melhor tratamento possível.
O inédito e histórico bloqueio total da Ilha de Upaon Açu vai durar 10 dias de isolamento social rígido, que certamente causará incômodo maior do que a quarentena causou até aqui. Mas o motivo de força maior que o causou é muito mais importante, justificando-o plenamente.
PONTO & CONTRAPONTO
Inocentado pelo TRE, Duarte Júnior mostra que é duro da queda e pode agitar eleição em São Luís
Estava escrito nas estrelas que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE/MA) não condenaria o deputado Duarte Júnior (Republicanos) pela acusação que lhe foi feita de abuso de poder nas eleições de 2018, com o objetivo de tirar-lhe o mandato. Os cinco votos a dois que o absolveram foram um “não” contundente à tentativa visivelmente armada de minar o seu poder de fogo eleitoral e tirá-lo da corrida à Prefeitura de São Luís. Seus adversários procuraram o caminho legal, é verdade, mas a acusação, muito fraca, não se sustentou, sendo espinafrada por absoluta falta de fundamento.
O fato indiscutível é que Duarte Júnior é um fenômeno na novíssima geração de políticos em ação no Maranhão. Sem suporte em grupo nem base de sustentação familiar, o advogado de aparência frágil, mas com inteligência privilegiada, senso de oportunidade e ambição de vencedor, ele soube abrir portas, ocupar espaço e atuar como comunicador excepcional no uso inteligente e pragmático das redes sociais. Foi o militante incansável na primeira eleição do governador Flávio Dino em 2014, conseguiu espaço no Governo, chegou, por competência e eficiência, ao comando do Procon, ganhando em seguida também o comando do Projeto Mais. Uniu talento, eficiência e muita, mas muita mesmo, ousadia no comando dessas áreas, numa gestão elogiada pelo governador Flávio Dino, que não faz elogios gratuitos nessa área.
Politicamente, Duarte Júnior definiu um campo de atuação, traçou um objetivo e seguiu em frente. Filiou-se ao PCdoB, conquistou milhares de adeptos nos canais virtuais e traiçoeiros das redes sociais e surpreendeu meio mundo quando saiu das urnas como o terceiro mais votado pala a Assembleia Legislativa, com 65.144 votos. A revelação apressada do seu projeto de disputar a Prefeitura de São Luís – um gesto ao mesmo tempo de honestidade e ingenuidade política -, atiçou forças poderosas movidas pelo mesmo objetivo, que jogaram pesado para triturá-lo, conseguindo tirá-lo do PCdoB e isolá-lo dentro da aliança liderada pelo governador Flávio Dino.
O tiro de misericórdia seria a perda do mandato na Justiça Eleitoral sob a acusação de abuso de poder. O canhão demolidor bateu catolé. Mesmo com alguns hematomas, o deputado Duarte Júnior saiu inteiro do sufoco judicial, mostrou que é duro na queda, e que, turbinado pela decisão de ontem, poderá embaraçar a corrida à Prefeitura de São Luís.
Flávio Dino e Ronaldo Caiado debatem hoje pandemia e federalismo na FGV
Os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM) estarão hoje frente a frente, em evento virtual realizado pela Fundação Getúlio Vargas, para debater a relação da crise sanitária causada com a chegada do coronavírus no Brasil e a crise do federalismo brasileiro. O debate será o terceiro do projeto “Direito e a Crise do Coronavírus – A contribuição do sistema jurídico para o enfrentamento da pandemia e a superação dos seus efeitos econômicos e sociais”. O evento será transmitido ao vivo pelo canal da FGV no YouTube.
O debate promete. Primeiro pelo tema, que está na pauta do Governo, do Congresso Nacional, dos Governos Estaduais e das Prefeituras, enfim, da Federação como um todo por conta da pandemia. E depois porque representará o confronto de duas visões políticas, doutrinárias e ideológicas radicalmente diferentes.
Advogado com sólida formação filosófica e ideologicamente situado à esquerda, Flávio Dino é professor de Direito Constitucional na UFMA, foi juiz federal, presidiu a Associação dos Juízes Federais, organização corporativa com forte influência na magistratura nacional e fora dela, foi deputado federal, tendo debatido o federalismo à exaustão naquele período, inclusive como relator de projetos como o da Lei de Responsabilidade Fiscal, tema que continua discutindo, agora mais fortemente, como governador do Maranhão.
Ronaldo Caiado é médico e pecuarista, com arraigada formação de direita. Na primeira metade dos anos 80 do século passado, ainda jovem, fundou o movimento ruralista, destinado a impedir a reforma agrária no País, tendo sido entusiasticamente apoiado no Maranhão pelo então governador Luís Rocha (PDS). Deputado federal em vários mandatos, senador e agora governador de Goiás, Ronaldo Caiado se consolidou como um dos mais ativos militantes da direita do Brasil.
Será, sem sombra de dúvida, um debate interessante, confrontando dois políticos com o mesmo status, a mesma responsabilidade e os mesmos desafios, mas com visões radicalmente diferentes. É isso que alimenta a democracia.
São Luís, 05 de Maio de 2020.