Precatório: indiciamento de João Abreu por suspeita de corrupção pode colocar o caso em pratos limpos

 

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Indiciado, João Abreu é acusado pelo doleiro Alberto Youssef e por Rafael Ângulo

São Paulo – A Polícia Civil do Maranhão indiciou o ex-chefe da Casa Civil no Governo Roseana, João Abreu, sob a acusação de ter recebido R$ 3 milhões em propina no caso do pagamento de precatório à Constran, no valor de R$ 124 milhões e em 24 parcelas. Esse desfecho se eu num processo que corre desde o primeiro semestre em segredo de Justiça. A informação foi dada ontem pela versão online do jornal O Estado de S. Paulo, que teve acesso às conclusões do inquérito, que visou clarear de vez as sombras que encobriam o caso. O pagamento à Constran foi festejado na época como uma vitória do Governo de Roseana Sarney e, segundo o Estadão, o indiciamento se baseou “em depoimentos e delações premiadas colhidos na Operação Lava Jato e testemunhos do doleiro Alberto Yousseff, sua contadora Meire Poza, o empresário Leonardo Meirelles, feitas pela própria Polícia Civil do Maranhão”. João Abreu reagiu, por meio do seu advogado, Carlos Seabra de Carvalho Coelho: “O sr. João Abreu nega veementemente ter recebido propina de qualquer valor, seja de Alberto Youssef, seja de outra pessoa, durante o exercício do cargo de Secretário ou em razão dele”. Além de João Abreu, outros assessores daquele governo também foram indiciados por corrupção.

Todos os suspeitos de envolvimento no caso foram denunciados pelo doleiro Alberto Youssef, ao ser preso pela Policia Federal no Hotel Luzeiros, em São Luís, no dia 17 de março de 2014, no primeiro movimento da Operação Lava Jato, que desbaratou o colossal esquema de corrupção na Petrobras.

Nos meses que antecederam ao indiciamento houve muita confusão e desinformação sobre o assunto circulou desde que o inquérito foi instaurado sob segredo de Justiça. Muitos observadores vinham misturando o caso do precatório da Constran com o escândalo da corrupção na Petrobras, no qual a ex-governadora Roseana Sarney e o senador Edison Lobão (PMDB) também foram citados e estão sendo investigados. O que aconteceu foi que, ao prender o doleiro Alberto Youssef em São Luís na operação destinada a desvendar a propinagem na Petrobras, a Polícia Federal descobriu também, por mero acaso, que o doleiro foi intermediário também a negociação entre a Constran e o Governo do Estado para o pagamento do precatório. Até então, sabia-se que o resgate da dívida da Constran fora fruto de uma negociação direta, difícil, mas com bom desfecho, já que os R$ 120 milhões seriam pagos em 24 parcelas mensais de R$ 5 milhões.

Uma explicação. A cobrança da dívida pela Constran ocorreu rigorosamente dentro da lei. Trata-se de “resto a pagar” deixado ainda pelo governo Luiz Rocha (1983/1987), que não fora pago pelo governo Epitácio Cafeteira (1987/1990), e que se transformou em precatório (dívida confirmada e cobrada judicial) no governo Edison Lobão (1991/1994), que também não o pagou. Os governos que se seguiram (o primeiro de Roseana Sarney, o de José Reinaldo Tavares e o de Jackson Lago) também decidiram não pagar o tal precatório e usaram todos os recursos judiciais possíveis para empurrar o problema para frente. Em 2013, agora sem nenhuma margem de manobra judicial protelatória possível, a governadora Roseana Sarney foi colocada contra a parede e diante de apenas duas saídas: pagar por bem ou pagar por mal. Decidiu pagar por bem, negociando o parcelamento dos R$ 120 milhões. A Constran topou. A negociação se deu sob a orientação técnica da Secretaria de Planejamento e Orçamento, a com a supervisão jurídica da Procuradoria Geral do Estado e com o acompanhamento do Ministério Público.

A coluna ouviu algumas vozes técnicas experientes e todas avaliaram que, em se tratando de precatório, Governo e Constran não poderiam ter feito acordo melhor. A empreiteira conseguiu receber o que lhe era devido, enquanto o Governo livrou-se da pressão judicial – entre elas risco de intervenção e sequestro do valor integral devido – sem penalizar os cofres. O desfecho formal foi, para muitos, mais viável e negociado.

Mas, ao prender Youssef, a PF matou, por acaso, dois coelhos com uma só cajadada, pois além de por a mão na chave-mestra do gigantesco propinoduto da Petrobras, encontrou também o fio da meada para o que mais tarde ganharia a forma de um escândalo de propinagem no Governo do Estado. Ao ser preso, o doleiro tinha entregado, minutos antes, uma mala com R$ 1 milhão a um certo Marcos Zierget, o “Marcão”, encarregado de receber a propina milionária e repassá-la a autoridades do governo do de então por conta do acordo feito com a Constran.

A revelação, é óbvio, estourou como uma bomba dentro e fora do governo estadual, à medida que colocou a governadora Roseana Sarney na extremamente incômoda e gravíssima condição de suspeita, assim como o ex-chefe da Casa Civil, João Abreu, homem da sua mais absoluta confiança, e   todos os que trabalharam de maneira efetiva para que a operação fosse concretizada. Ainda que não tenha sido diretamente acusada de receber, ela própria, a suposta propina, a ex-governadora está sendo investigada no caso por ser a principal responsável pelo acordo. E o que torna sua situação delicada é o fato de que nenhuma decisão do caso foi tomada sem a sua anuência, daí a inclinação da Polícia Federal para apontá-la como suspeita, ainda que ela tenha reagido com indignação, definindo-se como vítima de perseguição ou, quem sabe? de um equívoco ou de um desesperado gesto de má fé do doleiro preso no Hotel Luzeiros. O ex-chefe da Casa Civil também reagiu indignado e acusando o doleiro Alberto Youssef de tentar manchar-lhe a imagem com “mentiras”.

A afirmação de Youssef de que o acordo para o pagamento do precatório da Constran foi fruto de uma negociação subterrânea e criminosa por ele alinhavada e mediante o pagamento de propina, ganhou força com as declarações de Rafael Ângelo Lopez, homem de confiança e operador do doleiro, também preso pela Polícia Federal. Lopez teria afirmado que fez três viagens a São Luís transportando, em cada uma, R$ 300 mil sob a roupa e que tais quantias teriam sido entregues no Palácio dos Leões. Vale transcrever trecho de reportagem da edição de Veja sobre o assunto em 17 de 12 de 2014:

O doleiro (Alberto Youssef) destacou Rafael Ângelo para levar parte do suborno. Usando sua habilidade de esconder dinheiro no corpo, o entregador foi três vezes ao Maranhão. Sem ser admoestado pela fiscalização, levou sob as rupas 300.000 reais de cada vez. A bolada, de acordo com anotações de seu arquivo, foi entregue ao então chefe da Casa Civil, João Abreu, no interior do Palácio dos Leões, sede do governo e residência oficial do governador. Por intermédio de sua assessoria, Roseana Sarney negou qualquer ligação com a quadrilha. Ela informou que entrou em contato com João Abreu e que este também negou veementemente que tivesse recebido dinheiro do doleiro Youssef. 

Em nota, João Abreu reagiu afirmando o seguinte: 1 – “É mentirosa a afirmação feita por Alberto Youssef de que me teria entregado dinheiro pessoalmente ou por intermédio de ´emissário, pois tais fatos jamais ocorreram. 2 – Alberto Youssef foi preso no Hotel Luzeiros, em São Luís, local onde nunca estiver hospedado, conforme pode ser facilmente constatado junto à direção do hotel. Por sua vez, o Hotel Luzeiros é todo guarnecido por câmeras de segurança, inclusive nos andares dos apartamentos , o que servirá ara desvendar que percurso percorreu durante sua estada no hotel. 3 – Jamais tive “emissário” encarregado de tratar quaisquer assuntos com Alberto Youssef, seja de que natureza for. 4 – As afirmações mentirosas feitas por Aberto Youssef envolvendo meu nome constituem crime e ele por elas responderá na forma da lei”.

Nesse cenário, cabem algumas indagações. O que fazia mesmo Alberto Youssef em São Luís, hospedado no Hotel Luzeiros, onde garante haver entregado uma mala com R$ 1 milhão? Por que, ao ser preso, ele contou à Polícia Federal que estava pagando uma propina a membros do Governo do Estado pelo acordo firmado com a Constran? Procurado pela Polícia como o principal operador dos desvios na Petrobras, por que o doleiro se ocuparia em se deslocar para São Luís para pagar uma propina, uma operação cheia de riscos? Por que inventaria uma história de tamanha gravidade contra João Abreu e usando o nome de uma construtora e de integrantes da cúpula de um governo? Conhecia João Abreu e teria com ele alguma contenda que o levasse a incriminá-lo injustamente para se vingar? E, finamente, por que Rafael Ângulo contaria à PF que estivera três vezes em São Luís entregando dinheiro em espécie no Palácio dos Leões?  Por que alguém faria uma acusação de tamanha gravidade contra uma autoridade pública inocente?

Não consta até agora que Alberto Youssef e Rafael Lopez tenham retirado as acusações que fizeram à cúpula do governo Roseana Sarney. Ao contrário, em todos seus depoimentos, inclusive os mais recentes, o doleiro manteve tudo o que dissera,  como também não há registro de que eles dispõem de provas materiais irrefutáveis para comprovar a acusação, pois afinal, o ônus da prova é de quem acusa. Por outro lado, não há registro de que João Abreu tenha batido às portas da Justiça Federal em busca de reparação. E sabe-se que até agora, além das declarações de repúdio feitas em dezembro passado entes de renunciar, a governadora Roseana Sarney contratou o famoso criminalista Antônio Carlos Almeida Castro, que já a defendera no Caso Lunus, para cuidar do caso, mas a julgar pela informação dada ontem pelo Estadão online, se não envolve diretamente a governadora, chega muito perto dela.

Ao remeter o caso para o Maranhão, o juiz Sergio Moro abriu caminho para que o atual governo estadual entrasse na questão pela Secretaria de Transparência e Controle, que fez uma investigação apurada sobre o pagamento do precatório e municiou o Ministério Púbico e a Polícia Civil de informações preciosas para ajudar a resgatar o que de fato aconteceu nesse caso, o doleiro e seu assistente terão de provar o que contaram à Polícia Federal, e se o fizerem, o ex-chefe da Casa Civil terá de provar o contrário, sob pena de enfrentar um processo barra pesada, com grande possibilidade de condenação. Se não, terá muito o que cobrar dos seus acusadores.

 

São Paulo, 28 de Agosto de 2015.

 

 

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