Numa eleição histórica, marcada por uma disputa dura, que manteve o resultado indefinido até a contagem dos votos, o Tribunal de Justiça fechou um ciclo ao eleger ontem sua nova Mesa Diretora, que assumirá em abril do ano que vem. Foram eleitos os desembargadores Lourival Serejo (presidente), José Bernardo Rodrigues (vice-presidente) e Paulo Velten (corregedor geral da Justiça). O presidente eleito escolheu o desembargador Cléber Carvalho para a função de Ouvidor Geral e o corregedor eleito manteve a juíza Diva Mendes no comando do Fórum de São Luís, “até segunda ordem”. Comandado pelo desembargador-presidente José Joaquim Figueiredo dos Anjos, o pleito de ontem deveria ser mais um item rotineiro da pauta do Colégio de Desembargadores a cada dois anos, mas transformou-se numa espécie de ruptura de velhos padrões, causando a impressão de que as eleições influenciadas por pressões políticas externas viraram coisa do passado. Mais do que a eleição do desembargador Lourival Serejo, a derrota da desembargadora Nelma Sarney por dois votos sepultou definitivamente a possibilidade de o sarneysismo voltar a ter influência decisiva no comando do Poder Judiciário.
Foi uma eleição sem tensões aparentes, mas decidida após uma longa e intensa disputa ocorrida nos bastidores até minutos antes da votação. Apoiado pelo presidente José Joaquim dos Anjos, o desembargador Lourival Serejo começou sua “campanha” com o favorito, mas os movimentos da desembargadora Nelma Sarney ganharam força e ela chegou ao plenário com 14 dos 30 votos. Todas as previsões feitas até horas antes da eleição indicaram que Lourival Serejo teria no máximo 17 votos. Ele teve 16. Na disputa pela Corregedoria Geral da Justiça ouve uma inversão, com a vitória desembargador Paulo Velten, do grupo que apoiou Nelma Sarney, sobre a desembargadora Maria da Graça Mendes, por 16 votos contra 14, da chapa apoiada pelo presidente José Joaquim Figueiredo. A exceção foi o desembargador José Bernardo Rodrigues, que concorreu como candidato único e foi eleito vice-presidente com 25 votos.
O aspecto mais relevante da eleição do comando do TJ foi que, mesmo ainda movido pela ação de grupos articulados, com desembargadores mais ou menos influentes, o Poder Judiciário do Maranhão mostrou ontem já não é uma instituição controlada por caciques nem exposta a influências políticas externas. Vale agora, ali, uma intensa e permanente luta pelo poder, nas qual candidatos formam grupos de apoio. Atual vice-presidente e agora presidente eleito, o desembargador Lourival Serejo não participa nem lidera grupo, enquanto a desembargadora Nelma Sarney é expressão máxima do sarneysismo dentro do Poder Judiciário. E foi exatamente essa marca da sua candidatura que a tornou forte, mas permitiu a formação de uma resistência à sua guinada ao comando do Poder Judiciário. Essa pode ter sido a última investida do Grupo Sarney para chegar ao comando da Justiça no Maranhão.
Magistrado conhecido pela seriedade, pelo amplo conhecimento do Direito e pelo rigor técnico dos seus julgamentos, o desembargador Lourival Serejo cria a perspectiva de que fará uma gestão independente, sem condicionar sua linha de ação a compromisso com o atual presidente, que o apoiou clara e ostensivamente. Por outro lado, uma eventual presidência da desembargadora Nelma Sarney teria muitas das suas decisões associadas a interesses do Grupo Sarney, o que tornaria seu mandato sempre marcado por dúvidas e submetido a questionamentos. Ao eleger Lourival Serejo, a maioria preferiu colocar o Poder Judiciário numa rota distante de influências externas, que na maioria das vezes lhe corroem a saúde e a credibilidade.
Pode-se dizer que a eleição de ontem o Tribunal de Justiça optou por uma existência menos maçônica e mais republicana, permitindo o embate direto e fazendo escolhas equilibradas e podando as aspirações de candidatos a caciques, que definitivamente não mais cabem numa instituição colegiada.
Em Tempo: a Coluna cantou a pedra na sua edição de domingo (15), prevendo a eleição do desembargador Lourival Serejo, mas por um placar apertado.
PONTO & CONTRAPONTO
Eleição de ontem desenhou um embate de nível para a sucessão em 2021
A eleição da nova Mesa Diretora do Tribunal de Justiça abriu contagem regressiva de uma disputa que terá desfecho em dezembro de 2021, quando o Colégio de Desembargadores escolherá os pares que comandarão o Poder Judiciário no biênio 2022/2023. Ela deve se dar entre o corregedor eleito, desembargador Paulo Velten, e o atual corregedor, Marcelo Carvalho.
Explica-se. Um dos três desembargadores mais antigos que ainda não foram presidentes, Marcelo Carvalho seria candidato natural a presidente, juntamente com Nelma Sarney e Paulo Velten. Mas, num grande acordo, renunciou à candidatura para permitir que Lourival Serejo ascendesse e pudesse ser candidato. Ao confirmar a renúncia, Marcelo Carvalho avisou aos pares, em tom elevado e português claro: é, desde já, candidato a presidente na próxima eleição.
Ocorre que o desembargador Paulo Velten foi eleito corregedor sem participar desse acordo, estando muito à vontade para decidir seus próximos passos sem amarração. E mesmo sem fazer discurso nem anúncio nessa direção, deixou muito claro também que vai cumprir a tradição segundo a qual corregedor é candidato natural a presidente. Ou seja, vai disputar a presidência com o desembargador Marcelo Carvalho.
Uma disputa republicana entre os desembargadores Paulo Velten e Marcelo Carvalho pelo comando do Poder Judiciário é o que pode se chamar de guerra salutar. São magistrados plenamente sintonizados com a realidade atual, são estudiosos do Direito, têm plena consciência do contexto em que a Justiça está evoluindo e poderão dar uma expressiva contribuição para melhorar a prestação dos serviços judiciários no Maranhão.
Duas reações de insatisfação chamaram a atenção na sessão de ontem do TJ
A sessão administrativa na qual foi realizada a eleição da nova Mesa Diretora do Poder Judiciário foi marcada por duas manifestações de mau-humor.
A primeira foi protagonizada pelo presidente da Corte, desembargador José Joaquim Figueiredo dos Anjos (foto), que abriu os trabalhos mostrando-se muito incomodado com uma ação protocolada no Conselho Nacional de Justiça denunciando o mandato tampão que “esticou” em três meses o mandato da atual Mesa Diretora, de modo que a Mesa eleita ontem só tomará posse no início de abril. Sem revelar o autor nem detalhar o conteúdo da ação, José Joaquim criticou a iniciativa e se manifestou disposto a renunciar, para demonstrar que o mandato-tampão foi uma decisão da Corte e não um ato monocrático do presidente. Foi apoiado por vários desembargadores, que ratificaram a natureza colegiada da decisão. Recebeu também o apoio do corregedor Marcelo Carvalho, que se disse disposto a renunciar também se o presidente assim o fizesse, o que, claro, não aconteceu. Ficou no ar apenas o mal-estar.
A segunda manifestação partiu da desembargadora Maria da Graça Mendes (foto), que perdeu por apenas dois votos a disputa pela Corregedoria Geral da Justiça. Ao se manifestar após o anúncio do resultado, a magistrada não conseguiu esconder sua insatisfação por não ter sido eleita. Disse que em mais de 40 anos de magistratura passou por muitas dificuldades, tendo sido até perseguida, mas que chegou onde chegou pelo seu trabalho e sua força de vontade. E foi mais longe ao afirmar que a não eleição lhe ensinou muita coisa, entre elas “ter aprendido a conhecer as pessoas, o caráter das pessoas”, referindo-se a colegas desembargadores que lhe prometeram e não lhe deram seus votos. E encerrou o desabafo dizendo que se sentia vencedora e que “não se deve cuspir no prato que comeu”.
São Luís, 19 de Dezembro de 2019.