Fora o terremoto que tem o ex-deputado Ricardo Murad (PMDB) no epicentro, alguma coisa de “anormal” está acontecendo na superfície do fosso que separa o Governo Flávio Dino (PCdoB) e o Grupo Sarney. É impossível, nesse momento, que haja algum movimento articulado com o objetivo de fazer com que os dois exércitos experimentem uma trégua ou coisa parecida. Mas não há dúvida de que alguma situação não prevista está fazendo com que os dois campos mantenham suspensas as hostilidades. Nas últimas duas semanas, o ex-presidente José Sarney (PMDB) recolheu as armas, parecendo haver esquecido seus adversários no Maranhão; por sua vez, o governador Flávio Dino não disparou nenhum petardo contundente contra a “oligarquia”; a deputada Andrea Murad (PMDB) deu um tempo da Assembleia Legislativa e seus companheiros de oposição não deram nenhuma estocada no governo; e na mesma linha, a bancada governista, a começar pelo deputado Othelino Filho (PCdoB), que sempre bate forte no sarneysismo, nada tem dito sobre os adversários.
O ex-presidente José Sarney dá a impressão de que mudou radicalmente em relação ao governador Flávio Dino. Termômetro do seu estado de ânimo político, sua crônica domingueira na primeira página de O Estado do Maranhão, que ao longo dos cinco primeiros meses do ano tratou, com forte teor oposicionista, os primeiros movimentos do governador Flávio Dino, mudou radicalmente, passando a tratar de temas nada relacionados com a guerra política em curso. Cuidou, por exemplo, de como era o São João do Maranhão, refletiu sobre os mistérios do Universo, opinou em relação aos problemas e às agruras da velhice – revelou-se crítico duro da expressão “melhor idade” -, entre outros assuntos. É verdade que o ex-presidente sofreu uma queda e teve de se hospitalizar, mas não perdeu a consciência, não deixou de escrever nem mudou de lado. Logo, o súbito interesse do homem que se alimenta do embate político pelos buracos negros, pelo formato das galáxias e pelos esforços para desvendar os mistérios do cosmos, isso tudo em meio a um terremoto político no país, estimula a suposição de que há muito mais no ar do que aviões de carreira.
A mesma impressão vem causando o governador Flávio Dino, que nos discursos mais recentes simplesmente deixou de lado a “oligarquia” e se voltou para temas mais objetivos e menos relacionados com a existência de uma oposição ao seu governo. Nas últimas semanas, Dino mergulhou de cabeça na tormenta nacional, atacando a crise política e a crise econômica. Manifestou-se nessa linha em três encontros de governadores, e elevou o tom no discurso com que saudou a presidente Dilma Rousseff, na visita que ela fez no dia 10 ao Maranhão, no qual afirmou: “Somos contra qualquer tipo de golpe”. Seu apoio efusivo à presidente ganhou repercussão nacional, tendo ele sido elogiado, causado surpresa e recebido duras críticas. Nem uma palavra contra a “oligarquia”.
Outras evidências dessa “anormalidade” são óbvias. A deputada Andrea Murad, que tem marcado sua atuação parlamentar pela frequência nas sessões e por duros ataques ao governo cotidianamente, não apareceu no Palácio Manoel Bequimão nos últimos dias, o que contribuiu para que as sessões fossem rápidas e sem a agitação via de regra causada pelos seus pronunciamentos inflamados. Provavelmente motivado pela ausência da deputada Andrea Murad, o deputado Othelino Filho (PCdoB), que vem se notabilizando como rebatedor dos ataques ao Governo Flávio Dino, atravessou uma semana de quase silêncio. Também membros dos dois lados na Câmara Federal, que quase diariamente trocam farpas, mantiveram um inusitado clima de trégua – o único ataque na Câmara Baixa contra o governador Flavio Dino partiu de um deputado cearense, Vitor Valim (PMDB), que o criticou por se comportar como um “militante” em defesa da presidente Dilma Rousseff.
Esse cenário de trégua não significa a existência de alguma articulação no sentido de superar as diferenças que separam os grupos políticos no Maranhão. Pode ser o resultado de uma série de coincidências, ou então de um improvável “pacto” subterrâneo. E como Sarney já está recuperado e de volta ao tabuleiro das articulações, sua crônica do próximo domingo pode alimentar ou desmontar o cenário atual. Como também os próximos pronunciamentos do governador Flávio Dino.
PONTOS & CONTRAPONTOS
Murad em duas frentes
O ex-deputado Ricardo Murad continuou ontem em Brasília, onde acompanha o trabalho dos seus advogados, que se movimentam em duas direções. Uma delas é a busca de informações sobre suposta ação contra ela na Justiça federal do Tocantins, de onde, segundo rumores que correram durante a quarta-feira, estaria sendo decidido sobre um pedido de prisão. Murad, por meio do seu advogado, indagou formalmente o juiz tocantino acerca dos rumores, mas até a manhã de ontem não havia recebido resposta. E a outra frente é o bloqueio, em decisão liminar – que pode ser revertida – dos seus bens e de mais 10 pessoas e duas empresas, no valor de R$ 17,5 milhões, como parte de uma ação civil em que ele e os demais são acusados de improbidade administrativa por causa de problemas com licitações para a construção de hospitais em 2009. Murad reclama de que o juiz José Carlos Madeira decidiu sem ouvi-lo. Os indícios são que os próximos dias do ex-todo-poderoso secretário de Estado da Saúde serão agitados.
São Luís, 15 de Agosto de 2015.