*Esclarecimento: essa Coluna foi publicada no dia 07 de setembro de 2020, um mês antes da eleição do novo prefeito. O texto é o original, salvo algumas atualizações em relação a números e datas e, claro, a lista de candidatos a prefeito, que inclui a maioria dos candidatos de agora. Boa leitura.
São Luís completa hoje 412 anos e, por causa de nova eleição para prefeito, encontra-se no epicentro de mais um debate sobre seu futuro. De 1612 para cá, foi vila, empório comercial, sede do ambicioso projeto de dominação pela Companhia das Índias Ocidentais, amargou a condição de bastião de uma disputa sangrenta de portugueses, franceses e holandeses, foi invadida, reagiu a invasões, foi explorada por um mercenário inglês, resistiu à independência, serviu como trampolim para norte-americanos chegarem à Europa, tendo sido também palco das suas próprias guerras, como, por exemplo, índios contra invasores, a revolta de Bequimão e as greves de 51 e de 79. Desde o desembarque do francês Daniel de la Touche, se passaram 150.460 dias, ao longo dos quais a cidade foi-se erguendo, ganhando forma física, estatura política e personalidade cultural, tornando-se um incomum pedaço urbano do mundo composto de um precioso acervo da arquitetura colonial portuguesa, que lhe valeu o título de Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade. Hoje, São Luís é uma metrópole de 1,2 milhão de habitantes, com muitos problemas, mas avançando na construção de uma feição moderna. Ao mesmo tempo, luta tenazmente para cuidar da sua alma e conservar os traços da sua personalidade nas raízes profundas e firmes da sua feição urbana.
Em setembro de 2020 eram candidatos a prefeito de São Luís o então deputado federal Eduardo Braide (Podemos), o deputado estadual Duarte Júnior (Republicanos), o deputado estadual Neto Evangelista (DEM), o deputado federal Rubens Júnior (PCdoB), o deputado federal Bira do Pindaré (PSB), o deputado estadual Adriano Sarney (PV), o jornalista Jeisael Marx (Rede), o ex-juiz federal Carlos Madeira (SD), o deputado estadual Yglésio Moises (PROS), o professor Franklin Douglas (PSOL) e o servidor Hertz Dias (PSTU), que disputavam o privilégio de comandá-la, representam uma novíssima geração, e que, mesmo preparados e bem-intencionados, precisavam ter compreensão consistente do que a urbe ludovicense representa em história, cultura e tradição.
Hoje, a sugestão da leitura está sendo feita diretamente ao agora prefeito Eduardo Braide (PSD), ao deputado federal Duarte Jr. (PSB), ao deputado estadual Wellington do Curso (Novo), ao deputado estadual Yglésio Moises (PRTB), ao ex-vereador Fábio Câmara (PDT), ao professor Franklin Douglas (PSOL), à advogada Flávia Alves (Solidariedade) e ao servidor público Saulo Arcangeli (PSTU). Eles precisam consolidar a consciência de que, sem o centro velho, São Luís perde sua identidade, seus valores, sua personalidade, enfim, sua razão de ser. Cinco documentos guardam informações preciosas, oportunas e definitivas para a formação dessa consciência: “São Luís, Ilha do Maranhão e Alcântara”, “Urbanidade do Sobrado”, “Rua Grande, Um Passeio no Tempo”, “Caminhos de São Luís”, “ São Luís 400 Anos”. É provável que os aspirantes ao Palácio de la Ravardière já tenham mergulhado nessas páginas, ou em parte delas, mas, se não o fizeram, que deem um jeito de ajustar as suas agendas e encontrar tempo para, pelo menos, uma passada d`olhos em cada um deles, com a certeza de que tais leituras os deixarão, pelo menos, bem mais ricos em cultura ludovicense.
“São Luís, Ilha do Maranhão e Alcântara” é um guia bilíngue de arquitetura e paisagem, mesclado com informações históricas preciosas sobre a cidade, editado em 2008 pela Prefeitura de São Luís, no final da gestão Tadeu Palácio, fruto de um acordo com a Agência Espanhola de Cooperação Internacional, por meio da Junta de Andaluzia, com a negociação do Ministério dos Transportes no Governo Lula da Silva. O guia de São Luís foi o quinto de uma seleção internacional que incluiu cidades históricas de importância capital no continente americano: Havana (Cuba) Cidade do Panamá (Panamá), Morelia (México) e Potosi (Bolívia). Trata-se de um documento excepcionalmente rico em informações e imagens, resultado de uma pesquisa ampla e profunda, realizada por especialistas, que mostram a cidade em toda a sua grandeza histórica, arquitetônica e cultural. Entre os muitos dados especiais, os croquis em nanquim dos casarões ilustram páginas excepcionais. Se nada tivesse feito pela memória da cidade, a edição desse guia já colocaria o prefeito Tadeu Palácio num lugar honrado da memória ludovicense.
“Urbanidade do Sobrado – Um estudo sobre a Arquitetura do Sobrado de São Luís” é um documento excepcional sobre a feição urbana ludovicense. Para começar, trata-se de uma tese de mestrado do arquiteto Francisco Fuzzetti de Viveiros Filho, ninguém menos do que o genial compositor Chico Maranhão. Com a sensibilidade de poeta que se move pela música, Chico Maranhão conseguiu dar leveza e fluência ao que normalmente seria um texto seco, rigorosamente técnico, destinado a especialistas. Sem fugir às regras do academicismo, Chico Maranhão explora a estrutura física, em suas formas, entranhas e feições, os pilares, os mirantes, os portais, as bandeiras, as grades e a divisão social, econômica e política dos sobrados da São Luís histórica. O livro é fartamente ilustrado com imagens fotográficas e desenhos, formando um precioso conjunto de informações sobre a São Luís antiga. E fecha com um brinde: letras com partituras de dois poemas-odes musicados de Chico Maranhão sobre o tema: a canção “Sobrados e Trapiches”, na qual afirma que o primeiro é de prata (barata) e o segundo pé de ouro (besouro); e “Sobrado”, um samba genial que começa sugerindo ao sobrado vivo caído na rua, carregando a lua como um estivador, e que fez Graça Aranha nas suas entranhas se entristecer, que reaja dando compasso nessa arquitetura e fale com os românticos Odorico Mendes, Celso Magalhães e Sotero dos Reis. Sugestão: ler o livro ouvindo a música superior de Chico Maranhão.
“Caminhos de São Luís” é uma obra do pesquisador Carlos de Lima, ludovicense de raiz e apaixonado pela cidade. Com uma linguagem elegante, uma boa dose de bom humor e um viés crítico duro, mas sem qualquer traço de crueldade, ele identifica, revela e traduz avenidas, ruas, becos, praças e prédios ainda de pé, herdados da impagável São Luís de outros tempos. À medida que os vai identificando, resgata a história e explica a origem do nome, mostrando, umas vezes com fina ironia, outras com acidez crítica, as trocas de identidade, feita ao sabor das conveniências políticas. A atual Praça da Misericórdia, por exemplo, já foi rebatizada inúmeras vezes e hoje se chama Praça Conselheiro Silva Maia, sendo que ninguém a reconhece como tal. Uma boa leitura para quem aspira e necessita conhecer as reentrâncias da São Luís tradicional.
“Rua Grande – Um Passeio no Tempo”, editado em 1992 pela Prefeitura de São Luís, na primeira gestão do prefeito Jackson Lago (PDT), é um resgate especialíssimo da história da mais importante e tradicional artéria de São Luís. Com genial apresentação do pesquisador Carlos de Lima, que resgata fatos e situações impagáveis da São Luís da primeira metade do século passado, a obra tem por base um bem apurado e fundamentado texto de Paulo Melo Souza sobre a história e a importância do antigo Caminho Grande, que acabou se tornando o principal corredor comercial da Capital. Em formato de álbum, o livro é ricamente ilustrado com fotografias de época, parte delas mostrando fachadas e interiores de antigas residências, e espaços comerciais consagrados, como a Farmácia Garrido, que fez época na cidade e ainda se mantém, e a Mercearia Luzitana, que deu origem à rede se Supermercados Lusitana. Trata-se de um documento da maior importância para o conhecimento do futuro gestor, mesmo que ele receba a cidade com a Rua Grande reformada e perfeitamente situada no século XXI.
A quinta sugestão de leitura aos aspirantes a prefeito é “São Luís 400 Anos”, publicado como encarte do jornal O Estado do Maranhão na edição de 2012. Trata-se do mais completo retrato jornalístico de São Luís publicado até hoje. Produzido inteiramente pela equipe de jornalistas de O Estado, suas 336 páginas reúnem registros da história política, social, econômica, cultural e urbanística da Capital do Maranhão, enriquecidos por um material fotográfico adequado, mostrando a cidade de ontem, de hoje e do futuro. O material ganha força com textos opinativos de escritores, poetas e colaboradores adoradores da cidade, formando uma densa teia de informações, reflexões, preocupações e declarações de amor a ela, como a de José Sarney: “O que posso te dizer nesta data? A reafirmação do meu amor de sempre. Milhões de flores, milênios de beijos e no futuro infinito ser um grão de pó do seu solo numa paixão vulcânica”.
Se já beberam nessas fontes, os jovens candidatos a prefeito de São Luís já conhecem um pouco da alma dessa senhora que já exibe as marcas do tempo, e saberão que ela precisa de cuidados tanto quanto a cidade nova e os bolsões que a rodeiam. Se não beberam, cuidem de arranjar algum tempo para fazê-lo. De preferência ouvindo “Sobrado”, “Sobrados e Trapiches” e “Os telhados de São Luís” de Chico Maranhão, do seu disco integralmente genial “Contradições”.
São Luís, 8 de Setembro de 2020/2024.