ESPECIAL: Aos 38 anos, Barrica mantém o brilho com que começou sua paixão pela Estrela Dalva

Boizinho Barrica, momentos do espetáculo, Roberto Brandão, Zé Pereira Godão e Inácio Pinheiro, momentos da festa, Luiz Bulcão, brincantes e Gordo Elinaldo

Primeira hora do primeiro dia de julho de 2023, no arraial montado no pátio ainda improvisado da Igreja de São Paulo Apóstolo, no Jardim Renascença, em São Luís do Maranhão. Ali, vivenciando os 38 anos da sua festiva e musical busca pela Estrela da Manhã, sua paixão, o Boizinho Barrica fez a sua chegança, e durante cerca de mais ou menos uma hora, contagiou e deixou extasiadas as mais de mil pessoas – incluindo crianças, jovens, adultos e velhos – que o aguardaram ansiosamente e foram por ele abraçadas. A espera valeu a pena. Sob o comando do Zé Pereira Godão, embalado pelas toadas do próprio amo, e do poeta e segundo pai Luiz Bulcão, pelas vozes de Roberto Brandão e Inácio Pinheiro e pela orquestra de vários formatos e ritmos, cada um com os seus próprios instrumentos, regida por Gordo Elinaldo, o Boizinho Barrica encantou mais uma vez. Seus vaqueiros e vaqueiras, índios e índias, caboclos de pena e de fita, num balé de belas e envolventes coreografias, perfeitamente sincronizadas com as toadas, transformaram mais um arraial num mundo encantado de música e poesia sem amarras.

Quem o viu nos seus primeiros movimentos, 38 São Joãos atrás, quando dava os primeiros passos – firmes pela convicção de que havia encontrado um caminho para enriquecer a cultura junina maranhense, mas também com a incerteza que cerca qualquer ousadia num mundo de tradições rígidas -, enxerga hoje um Boizinho Barrica robusto. Não mudou de tamanho, mas foi envolvido por densa aura mítica, exibindo a confiança que só a maturidade produz. Hoje tem ares quase profissionais e baila com experiência cosmopolita, sem deixar nada a dever a qualquer outra brincadeira de rua de qualquer parte do planeta, vivência possível por haver se apresentado em Nova Iorque, Paris, Londres, Barcelona, Roma, Berlin, Tóquio e Toronto, entre outras. Reencontrá-lo tempos depois é encontrar mais uma vez o espírito de festa mágica embalando um grupo com ânimo de estreia após duras semanas de preparação.

Motivados pela leitura de partes do roteiro da saga romântica emotivamente declamada pelo amo Zé Pereira Godão, os bailarinos do Boizinho Barrica entram em cena visivelmente empurrados por uma energia que impressiona e contagia, revelada no sorriso franco, e na perfeita sincronia dos passos com cada ritmo, ao qual todo circunstante se dobra. O bailado, que traduz fielmente os sotaques de matraca e pandeirões, típico da Ilha de Upaon Açu; de zabumba, que nasceu e cresceu na Baixada; de orquestra, que veio do Munim, e o de matraca da região do Pindaré, evolui diferente e intenso a cada uma das toadas, que expressam o amor nos seus mais diferentes vieses. E aí acontece o desfecho da magia que todo artista e brincante espera: a plateia se rende, ninguém em volta resiste.

Como os batalhões centenários, os quais interpreta com fidelidade didática, o Boizinho Barrica, com a sua existência de ópera de rua, surpreende pela capacidade de se reinventar a cada ano sem mudar a forma e as coreografias. As atualizações estão nas novas toadas, que conservam a base temática, mas renovam a cada ano a beleza harmônica apurada e as sutilezas da poesia popular de uma trilha sonora na qual Godão e Bulcão falam sempre do mesmo caso de amor entre o Boizinho e a Estrela Dalva. Isso tudo interpretado magistralmente pelas vozes maiores do grupo, com o suporte supremo de cordas, metais, pandeirões, zabumbas, matracas e maracás em cujo epicentro está Gordo Elinaldo.

Para muitos, a lógica desse desafio poderia ser o desgaste por cansaço de uma fórmula concebida pela ousadia. Mas o que o amo Zé Pereira Godão concebeu alicerçado pela poesia de Luiz Bulcão, pelas vozes de Roberto Brandão e Inácio Pinheiro e pelo coro de baile popular formado por devotados bailarinos, mostrou na apresentação do dia 1º  que o Boizinho Barrica tem ainda muito gás. Tudo, portanto, para continuar encantando milhares no arraial de São Paulo Apóstolo, nos de São Luís, em largos de qualquer palco coberto ou aberto do País ou em qualquer praça do planeta.

E nesse contexto de festa, versos geniais já imortalizados como “Escrevi teu nome, na areia da beira da praia, na barra da saia da maré vazante, foi o bordado de amor”; “Alumia o meu amor, que vem nas ondas do mar, incendiou meu coração pra eu não chorar”; “Acenei meu lenço pra dizer meu bem, se o amor tem saudade, eu vou chorar também”; “Eu quero acender as estrelas lá do céu com balão de papel de seda”; “Eu fiz uma gaiola de ouro pra prender teu coração, mas o amor, que é duradouro, não quer viver numa prisão, tu podes prender passarinho, mas o canto dele, não”, e muitos outros que compõem o rico acervo musical do Boizinho Barrica vão alimentando a magia do folguedo que, como já dito aqui noutro registro, nasceu com tudo para não dar certo. Mas o tempo mostrou que a cria de Zé Pereira Godão e Luiz Bulcão, assim como tudo o que eles conceberam depois, como o Bicho Terra e o Natalina da Paixão, veio para ficar. E por muito tempo. E um dos motores da espetacular trajetória do Boizinho Barrica são as bênçãos e o respeito que ele ganhou dos gigantes que inspiraram sua existência: Maracanã, Maioba, Pindoba, Ribamar, Fé em Deus, Madre Deus, Guimarães, Pindaré, Morros, Rosário, entre outros do mesmo naipe.

Vivas, portanto, para o Boizinho Barrica, Godão, Bulcão, Brandão, Inácio, Elinaldo, os músicos e, em especial, os seus bailarinos.

São Luís, 02 de Julho de 2023.

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