Ao contrário do que alguns espaços estão registrando, o ato de lançamento do ex-governador e atual deputado federal José Reinaldo Tavares (na foto com Roberto Rocha, Tema Cunha e Flávio Dino) para o Senado da República, hoje, em Tuntum, produzirá desdobramentos que podem alterar significativamente os rumos da corrida às urnas dos candidatos a senador. Um exemplo: se José Reinaldo de fato migrar para o DEM, como está previsto, o braço maranhense do PSB poderá sofrer uma guinada de muitos graus, podendo afetar gravemente o projeto do senador Roberto Rocha de disputar o Governo do Estado. Outro: a candidatura de José Reinaldo definirá a chapa do movimento liderado pelo governador Flávio Dino (PCdoB) ao Senado, que já tem o deputado federal Weverton Rocha (PDT) como candidato assumido e em campanha aberta. Além disso, o presidente da Famem, Cleomar Tema Cunha (PSB), que organiza o evento e será o anfitrião de dezenas de colegas, intensificará articulações para manter a maioria dos prefeitos no grupo liderado pelo governador, que se prepara para ir à luta em busca da reeleição.
A definição das candidaturas de José Reinaldo e Weverton Rocha levará o Palácio dos Leões a enxergar os dois como companheiros na chapa maior que o terá como candidato a mais um mandato. A iniciativa de Tema Cunha e a presença do secretário de Estado de Comunicação e Articulação Política, Márcio Jerry, que preside o PCdoB do Maranhão, provavelmente, podem ser interpretadas como o aval – não tão eloquente, mas efetivo e definitivo – do governador Flávio Dino. Com esse item da pauta eleitoral resolvido, o chefe do Governo terá mais tempo e menos dificuldades para se dedicar à definição do último item da montagem da chapa: a escolha do candidato a vice-governador, que pode ser a confirmação do atual, Carlos Brandão, se o PSDB mantiver a aliança com o PCdoB, ou o prefeito Tema Cunha, já apontado como nome forte nessa equação.
A iminente migração de José Reinaldo para o DEM abrirá caminho para mudanças radicais no braço maranhense do PSB. O comando do partido poderá cair definitivamente nas mãos do senador Roberto Rocha, que trabalha para ser candidato a governador, ou dar uma guinada à esquerda e passar a ser controlado pelo deputado estadual Bira do Pindaré, como planeja e almeja o Palácio dos Leões, ou pelo próprio Tema Cunha. E nesse xadrez partidário, os ventos parecem soprar em favor do governador Flávio Dino, já que Roberto Rocha poderá contrariar o PSB votando alinhado com o Palácio do Planalto nas reformas da Previdência e Trabalhista, como fez o deputado José Reinaldo, tornando impossível sua permanência no partido. O conflito, se acontecer como está sugerindo o movimento das pedras, poderá resultar na saída de Roberto Rocha do PSB, que nesse caso cairá inteiramente na órbita do governador Flávio Dino, independentemente de quem vier a assumir o seu controle.
Outro desdobramento: se o PSB sair desse jogo comandado pelo senador Roberto Rocha, perderá o prefeito de Tuntum e presidente da Famem Tema Cunha, principal articulador da candidatura de José Reinaldo ao Senado. Político experimentado, o presidente da Famem não vê qualquer possibilidade de permanecer no PSB sob o comando de Roberto Rocha e, assim, tornar-se adversário de José Reinaldo e de Flávio Dino. Mas se, por outro lado, o PSB sair das mãos de Roberto Rocha, Tema Cunha permanecerá na agremiação, provavelmente como seu presidente e, no caso, com amplas chances de vir a se tornar candidato a vice na chapa de Flávio Dino. Ou, numa possibilidade mais remota, entregar o comando para o deputado estadual Bira do Pindaré, que tem afinidades com o partido.
O que vier a acontecer com PSB causará outros movimentos, como o futuro da deputada federal Luana Costa, dos deputados Rogério Cafeteira e Edson Araújo – os dois já se encontram com um pé fora do partido -, e de 13 prefeitos, entre eles Luciano Leitoa, de Timon, que já presidiu a agremiação, e Ferdinando Coutinho, de Matões. Esses e outros desdobramentos justificam a forte expectativa que domina o meio político em relação ao ato de lançamento de José Reinaldo para o Senado, hoje, em Tuntum.
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ESPECIAL
“Milhões de Uns”, de Joãozinho Ribeiro, é balaio de obras primas engajadas da música maranhense
Entre as muitas jóias da Música Popular Maranhense já consagradas, uma tem brilho incomum, exatamente por não se prender a “estilos inconfundíveis”, e por isso mesmo cada peça do conjunto foi esculpida a golpes de emoção, para ter a sua própria identidade. A joia, no caso, é o disco “Milhões de uns”, do emblemático Joãozinho Ribeiro, um dos mais geniais e produtivos poetas musicais da rica e especial geração de compositores que São Luís deu à luz na transição do século XX para o século XI. Magistralmente aberto com o samba canção “Milhões de uns”, um manifesto político que denuncia verdades sociais cruas embalado numa harmonia capaz de quebrá-las e que ganham mais força na voz do próprio pai, o disco toca fundo nas diversas faces do sentimento humano.
Resultado de um show realizado em 2012, e cujas gravações hibernaram durante quatro anos, o disco nasceu como um balanço da carreira de Joãozinho Ribeiro, e o 1º Volume reúne 13 pérolas extraídas cuidadosamente do que Zeca Baleiro definiu como “um balaio fértil de cerca de duas centenas de composições acumuladas em mais de 30 anos de poesia, boemia e hiperatividade cultural”. Além do samba canção que é o carro-chefe, a seleção inclui samba, reggae, blue, toada, baião, marchinha e outro embalos mais. E em cada uma das pérolas, a delicada tessitura verbal revestida de arranjo adequado, tudo cuidadosamente concebido para dar ênfase correta ao dito. Nelas, Joãozinho Ribeiro fala de amor, de dor, de injustiça, de lembranças, de saudade, debocha do poder, transformando temas em mensagens diretas, mas com elegância e refinamento.
“Milhões de uns” traduz com precisão o artista saído das lutas políticas deflagradas ainda nos anos 70, como a Greve que abalou São Luís 79, no movimento estudantil contra a ditadura, no militante partidário, no ativista cultural de todas as horas. E também no homem público que no comando da Secretaria de Estado da Cultura, no Governo reformador e inconcluso de Jackson Lago (PDT), quando desafiou as distorções culturais e propôs a “maranhensidade” como uma espécie de ideologia para uma realidade cultural de resistência, sem, no entanto, tornar-se conformista nem conservador. Sua visão de mundo está no manifesto político de “Milhões de uns”, no alerta curioso de “Saiba rapaz”, no deboche resistente à invasão da baianada em “Tirem as mãos do meu pandeiro”, no icônico poema “Rua Grande”, na crônica garciana de “Anonimato”, na graça junina de “Matraca matreira” e na declaração de amor em “Rua Grande”.
Nas duas noites de gala – 27 e 28 de novembro de 2012 – em que se deram as gravações no Teatro Arthur Azevedo, Joãozinho Ribeiro reuniu os seus parceiros, dividindo este 1º Volume com o Coral de São João, Milia Camões, Célia Maria, Zeca baleiro, Chico César, Alê Muniz, Lena Machado, Chico Saldanha, Rosa Reis e Elba Ramalho. O revestimento harmônico dos seus poemas é feito pela Banda Milhões de Uns, o baterista Jorge Gomes, o baixista Serginho Carvalho, os percussionistas Wanderson Silva e Arlindo Carvalho, o tecladista Rui Mário, o cavaquinhista Paulo Trabulsi, o violonista Luiz Júnior, o saxista e flautista Danilo Costa, o trompetista Hugo Carafunim e os vocais Firmino Campos e Kayjane, que deram o melhor de si nessa produção antológica, destinada a ser um dos principais ícones da MPM nesse tempo.
As Jóias
“Milhões de uns”– Ritmado pela suavidade do samba canção, a música é um duro manifesto político, que denuncia as mazelas históricas de uma sociedade injusta e marcada pela pobreza e pela exclusão. E como todo manifesto que se preza, é o carro-chefe do disco, interpretado com a emoção devida pelo próprio Joãozinho Ribeiro e que ganha força de ópera com a participação especialíssima do Coral de São João. Arranjo perfeito para o sax e o trompete e para os contundentes arranjos do violão de sete cordas. A música parece um retrato completo do artista engajado que é Joãozinho Ribeiro.
“Estrela” – Bem próximo de um bolero, o samba canção relata as inquietações de um poeta em busca dos seus amores e da felicidade, que não consegue encontrar, mas andando por caminhos conhecidos. Resume suas emoções e seus amores sem rosto nem nome numa estrela que também perdeu, que só era vista em noites de luar. Interpretada pelo próprio autor, a música é flui pelos arranjos se sopro e sanfona.
“Coisa de Deus” – É um blue no melhor padrão no qual, interpretado por Milia Camões, Joãozinho Ribeiro canta o amor carnal como um ato de beleza extraordinária que nem deus, que tudo faz não fez, daí o caráter ateu do ato de prazer. É música para ouvir a dois e de preferência tomando champanha. O arranjo é irretocável.
“Saiba Rapaz” – É uma das pérolas mais emblemáticas do “balaio musical” de Joãozinho Ribeiro. Envolvido por um samba compassado no melhor padrão, a letra é também um manifesto contra todo tipo de repressão e restrições à existência social e política, com um alerta que ao mesmo tempo soa como uma convocação: “Seja lá o que for há de ser, não dá para impedir ou mudar”. E com a sugestão de fazer a hora antes que ele mesma seja. Arranjo impecável de cordas e genial solo de trompete
“Palavra” – Nesse reggae ao mesmo tempo suave e contundente, Joãozinho Ribeiro revela uma culta visão de comunicação ao “cometer” uma canção e afirmar que ela é formada de palavras que saem do coração, fluindo como sentimento. Um verdadeiro poema, a letra chama atenção para o fato de que tão forte como a palavra é a fome que se sente. Interpretada com leveza por Zeca Baleiro, “Palavra” ganha peso no embalo do reggae bem arranjado, com destaque para sanfona.
“Tirem as mãos do meu pandeiro” – O samba compassado faz o contraponto do axé que invadiu São Luís nos mercantilistas tais carnavais fora de é pouca que invadiram São Luís nos anos 90. Em tom de deboche, Joãozinho Ribeira alfineta a ex-governadora Roseana Sarney, que estaria querendo trocar o fofão ludovicense pelo abadá soteropolitano. E foi buscar no Fuzileiros da Fuzarca, o mais icônico e tradicional bloco carnavalesco de São Luís, com sua batucada ímpar, a arma para resistir à invasão. O próprio Joãozinho Ribeiro dá o recado embalado por um arranjo perfeito.
“Anonimato” – Em mais um samba compassado do melhor nível, corretamente interpretado por Chico César, que lhe dá a dimensão exata, Joãozinho faz a crônica de um personagem sem nome e sem rosto, sem origem nem profissão, mas que pontifica com decência e morreu com coragem para assumir o seu medo/ saber que a vida é agora/ antes que o destino chegue”. O samba cresce com o bom arranjo, que começa com um belo violão e ganha peso com sopro.
“Planos Urbanos” – Um suingue que lembra Jorge Benjor de outros tempos, a faixa interpretada por Zeca Baleiro e é mais um manifesto em forma de poema musicado contra as mazelas sociais, agora associado à questão racial. Senzala e favela são no fundo a mesma coisa numa sociedade injusta e desigual. Bom arranjos de percussão e sopro.
“Rua Grande” – De todas as músicas do disco, Rua Grande é o poema que melhor traduz a relação de um ludovicense da gema pode ter como o seu maior mais exuberante símbolo urbano de São Luís, onde milhares de almas se encontram todos os dias. Nada mais perfeito para traduzir a Rua Grande do que “às cinco no burburinho … e assim a tarde recolhe”. Lena Machado dá o tom e a emoção exatos ao poema musicado. E ritmo quase marcial, a explosão do trompete e as intervenções do violão se encaixam perfeitamente na voz da intérprete.
“Matraca Matreira” – Interpretada por Chico Saldanha, ele próprio um genial compositor, a toada deixa de lado todo o conjunto do bumba-boi para resgatar um símbolo: a matraca, que ganha a dimensão de esmurradora de destino, como também de força que abre caminho para a felicidade ganhar mundo machucando corações. Bom arranjo.
“Tá chegando a hora” – A marchinha resgata com exatidão o Carnaval de rua de outras épocas em São Luís, trazendo de volta personagens momescos que se perderam no tempo, reprimidas pela mediocridade do abadá. A crônica da musicada ganha força com a voz potente e educada de Rosa Reis, que por coincidência dedica parte da sua ação cultural à luta pela preservação das tradições populares do Maranhão. Arranjo na medida certa, principal os metais.
“Erva Santa” – No reggae do melhor nível interpretado pelo genial dueto formado por Zeca Baleiro e Chico César, Joãozinho Ribeiro reanima o cronista ao resgatar o “curador” Santo, um cara esperto agora eternizado por de ervas medicinais e “outras besteiras” no Mercado Central. Bom arranjo, reforçado por um bem engendrado solo de guitarra.
“Asas da Paixão” – Um baião arrojado interpretado à distância por Elba Ramalho. Poeta de pés no chão e sempre insatisfeito, Joãozinho Ribeiro reafirma na música a necessidade da busca permanente. No caso, procura a paixão, como um louco, um cão farejador. Bom arranjo, principalmente de sanfona.
Tão prazeroso quanto ouvir “Milhões de Uns” 1º Volume é saber que o 2º Volume está a caminho, em marcha lenta, mas andando.
São Luís, 05 de Maio de 2017.
Parabéns Ribamar Correia !
Gostei das suas impressões críticas sobre o CD do Joãozinho Ribeiro.
Tô na torcida p próximo !