A chamada grande imprensa não registra, mas do seu refúgio domiciliar em Brasília, que poderá ser transformado em prisão, o ex-presidente José Sarney (PMDB) tem recebido muitas pancadas verbais e escritas, mas também é alcançado por inúmeras manifestações de apoio e solidariedade de políticos ativos e inativos, empresários de todos os tamanhos, de nomes destacados de todas as esferas do Poder Judiciário, de personalidades das mais diferentes áreas da sociedade organizada e de cidadãos comuns, a começar pela Igreja Católica. O discurso comum é de reação duramente crítica ao pedido de prisão dele, feito pelo procurador geral da República, Rodrigo Janot, sob o argumento de que o ex-presidente, juntamente com os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, ambos do PMDB, estaria conspirando para bombardear a Operação Lava Jato. Sarney nega enfaticamente, recorrendo ao argumento de que toda a sua trajetória política tem sido marcada por atos e manifestações que demonstram com clareza o que ele define como “verdadeira devoção à Justiça”. Aos seus interlocutores, o ex-presidente tem dito e repetido que jamais sequer pensou na possibilidade de criar obstáculos à evolução da Operação Lava Jato, mesmo avaliando que aqui e ali excessos têm sido cometidos, mas observando que se trata de uma ação que faz bem ao país.
Num comentário publicado ontem, o colunista de O Globo, Jorge Bastos Moreno, que por muitos anos cultivou uma relação muito próxima com o ex-presidente, o que o tornou um dos jornalistas mais bem informados de Brasília, registrou o seguinte: “O pedido de prisão domiciliar de José Sarney foi recebido com satisfação por grande parcela da sociedade, mas com relativa indignação e perplexidade nos meios político e jurídico do país. Como explicar essa dicotomia? É que existem, na verdade, dois Sarney. O primeiro, o que comandou a transição democrática do país com rara competência e, daí o respeito que goza entre os Três Poderes; o outro, o que, ao longo do tempo em que permaneceu no Senado, depois de ter deixado a presidência da República, acumulou uma série de erros que acabaram comprometendo sua biografia de presidente da República”.
Moreno definiu bem, pois esse é Sarney, sem tirar nem por. O Sarney que se encontra agora refugiado na sua residência em Brasília, acabrunhado por causa das gravações que revelaram inacreditáveis conversas suas com Sérgio Machado – um anão político por ele adjetivado de “monstro moral” – é o Sarney ex-senador, que inexplicavelmente manteve relações estreitas com essa turma da pesada do PMDB, desprezando os alertas e cobranças que ouviu de pemedebistas do porte do gaúcho Pedro Simon, por exemplo. Esse Sarney que, depois de deixar a presidência da República, foi picado pela mosca azul e decidiu continuar na ativa contrariando mil e um conselhos de amigos, é o Sarney político que agora paga preço alto por não ter se voltado para a literatura. As conversas gravadas pelo “monstro moral” Sérgio Machado revelaram um Sarney tenso, meio perdido, muito distante do condutor e fiador da transição da ditadura para a democracia. Mostraram um gigante político da transição trocando impressões nada litúrgicas com chefes pemedebistas apuros.
Independentemente do que vem por aí, Sarney vive, sem qualquer dúvida, o seu pior momento. Sem mandato, já arranhado por outros escorregões e sem qualquer nesga formal de poder, o ex-presidente perde agora também o PMDB, o seu último espaço de ação. Não há uma roda de conversa em que alguém ainda aposte numa volta por cima. Mas também não há quem não avalie que seus feitos são muito maiores do que os malfeitos que lhe são atribuídos. Daí a explicação para que em seu refúgio domiciliar de Brasília, que corre o grave risco de ser transformado em prisão, ele esteja recebendo manifestações de apoio.
Vale apena transcrever o último parágrafo do comentário de Jorge Bastos Moreno, no qual, após concluir que o presidente José Sarney foi ofuscado pelo senador José Sarney, registra o seguinte: “Os que viveram intensamente aquele período de reconstrução democrática, sem traumas e revanchismos, graças à habilidade e paciência de um presidente gentil e cioso da liturgia do cargo, e membro desde 1980 da Academia Brasileira de Letras, não devem, no fundo das suas consciências, estar felizes com o pedido de prisão de Sarney. É como se estivessem rasgando uma página bonita da nossa História”.
PONTO & CONTRAPONTO
Andrea Murad insinua que Dino recebeu “doações sujas”
A deputada Andrea Murad (PMDB) criticou duramente os comentários feitos pelo governa dor Flávio Dino (PCdoB) em relação ao pedido de prisão do ex-presidente José Sarney. Em tom indignado, a deputada oposicionista previu que o governador também será alcançado pela draga da Operação Lava Jato, devendo dar explicações sobre supostas “doações sujas” que durante a campanha ele teria recebido de empresas investigadas pela Operação Lava Jato. Disposta a entornar o caldo, a deputada disse, em alto e bom tom, que Flávio Dino “não tem qualquer moral e nenhuma reputação ilibada para vir falar de alguém à altura do presidente Sarney, a partir do momento recebeu dinheiro da OAS e da UTC”. Andrea Murad enfatizou que, “diferentemente de Flávio Dino, quero parabenizar o senador Roberto Rocha pelo discurso que fez no Senado Federal, mesmo sendo adversário político do grupo do ex-senador Sarney, teve a hombridade de ver que o que está sendo feito hoje no país passou de todos os limites. Meus parabéns, pena que muitas pessoas não têm essa postura e esse mesmo pensamento e pena que muitos são hipócritas e movidos pelo ódio como o governador Flávio Dino”. A parlamentar considerou o pedido do procurador geral da República uma ação midiática exagerada e que servir para “colocar o país em um cenário cada vez mais instável”. Vozes governistas preferiram não contra-atacar.
Cutrim critica clima de insegurança jurídica
O deputado Raimundo Cutrim (PCdoB) manifestou ontem preocupação com o que definiu como “clima de insegurança jurídica” que paira sobre o Brasil. Do alto da sua experiência de delegado aposentado da Polícia Federal, que atuou na ditadura, Cutrim criticou a divulgação de interceptações telefônicas entre políticos, quando ainda não havia crime comprovado, apenas atos preparatórios. “Nós observamos aquele fato lá em Brasília, viemos acompanhando através da imprensa e verificamos que ali houve uma interceptação, uma gravação de uma conversa induzida, preparada, onde duas pessoas conversam. Quer dizer, ali a gente acreditaria que não serviria de provas. Hoje, a gente fica até preocupado em conversar com um amigo, com outras pessoas sobre qualquer assunto de prioridade ou não”, disse. O parlamentar também ressaltou que a Polícia Federal tem bons profissionais em seu quadro, com total competência para investigar e esclarecer todos os fatos, sem que haja a necessidade de se utilizar de escuta induzida para chegar aos fins da investigação. “Nós não podemos entrar nessa, porque amanhã como é que fica o instituto da investigação? Está extinto?”, questionou. O deputado defendeu a necessidade de se investigar os fatos com dados e provas, para que a insegurança jurídica não reine no país. E criticou: “O Executivo e o Legislativo hoje praticamente não existem. Está tudo nas mãos do Judiciário, de um juiz, e o Supremo muitas vezes preocupado em dar uma decisão pela imprensa. Então a nossa situação é muito difícil”.
São Luís, 08 de Junho de 2016.