A confirmação da candidatura da ex-governadora Roseana Sarney (PMDB) ao Governo do Estado, feita por ela própria em entrevista ao jornalista e blogueiros Gilberto Leda e publicada ontem em O Estado, define o primeiro time de candidatos ao Palácio dos Leões – já se lançaram o governador Flávio Dino (PCdoB), que busca a reeleição, e o senador Roberto Rocha, que ganhou a condição de candidato do PSDB ao se filiar ao partido há menos de um mês. Os três fecham as portas da disputa, porque dificilmente surgirá alguém com cacife político e eleitoral para invadir esse triângulo com alguma chance de viabilizar sua corrida. Roseana Sarney chega ao cenário sem causar muito frisson, exatamente porque estava sendo aguardada há muito tempo. A disputa, e claro, comporta outros candidatos, mas quem entrar a partir de agora será para fazer figuração. A confirmação da sua entrada, porém, define os rumos da disputa, fazendo com que ela, o governador e o senador comecem a medir seus passos e suas palavras de agora por diante. Nesse momento, o desenho da corrida coloca o comunista na liderança absoluta, a pemedebista em competitivo segundo, e o senador Roberto Rocha em terceiro, bem distanciado dos dois primeiros, mas com potencial para avançar.
Roseana Sarney explicou sua decisão como o resultado de uma série de consultas que fez às lideranças do Grupo Sarney e a aliados, além da análise de pesquisas. Entre os consultados está, claro, o presidente Michel Temer, que deve ter-lhe dado sinal verde para candidatar-se com o aval do PMDB e os principais caciques da agremiação e outros partidos com os quais pretende compor, como o DEM, por exemplo, hoje engajado na aliança liderada pelo governador Flávio Dino pelas mãos do deputado federal Juscelino Filho e do deputado estadual Stênio Rezende. A candidatura é anunciada também depois de a ex-governadora livrar-se de uma série de encrencas, como suspeitas de envolvimento em esquema na Petrobras, participação em suposto esquema que ficou conhecido como “Máfia da Sefaz”, e em recebimento, não confirmado de propina no rumoroso caso dos precatórios – nada foi encontrado que a ligasse aos supostos desvios.
Para anunciar sua decisão de entrar em confronto direto com o governador Flávio Dino, a ex-governadora Roseana Sarney certamente está respaldada em informações que a estimulam a correr o risco de perder uma eleição depois de já ter encerrado uma carreira eleitoralmente vitoriosa, na qual o único tropeço foi a derrota para Jackson Lago (PDT) em 2006. Ela vinha, de fato, sendo fortemente pressionada pelos principais líderes do Grupo Sarney, que estavam ficando sem norte na corrida às urnas, por só terem como alternativas projetos de altíssimo risco: repetir o empresário Lobão Filho (PMDB), lançar o senador João Alberto (PMDB), apostar na figura ascendente do deputado estadual Eduardo Braide (PMB) ou jogar todo o peso do grupo numa aliança com o senador Roberto Rocha. Risco por risco, ela resolveu corrê-lo, acreditando que poderá reduzir o tamanho da rejeição encontrada pelas pesquisas, seu verdadeiro calcanhar de Aquiles.
Tudo indica que a entrada da ex-governadora na briga sucessória não apanha o governado Flávio Dino, que vem há tempos ajustando seu discurso e sua estratégia levando em conta o “Fator Roseana”. Em todas as pesquisas que lhe chegaram às mãos até agora, contratadas ou não pelo PCdoB, Roseana Sarney aparece sempre em segundo lugar, navegando entre 25% e 30% das preferências do eleitorado. Não chega a ser uma ameaça consistente, mas é um projeto de peso, que não pode ser menosprezado e que exige atenção permanente. Mais ainda agora, que ela se lança embalada pela permanência do presidente Michel Temer no comando da Esplanada dos Ministérios e do Orçamento da República.
O fato é que agora, a 11 meses das eleições, o time básico de candidatos ao Governo do Estado está definido, indicando que esse cenário dificilmente terá seu desenho alterado por algum dado novo sobre a corrida pelo Palácio dos Leões. Isso significa que a partir de agora a corrida, ou melhor, o confronto ganhará tom mais grave e golpes mais fortes.
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ESPECIAL
“Vôos”, o disco feito com obras de mestres e que anunciou ao mundo a voz especial e o talento de Fátima Passarinho
Raro encontrar nos registros musicais do Maranhão uma joia tão especial quanto “Vôos”, primeiro disco da cantora Fátima Passarinho, a intérprete fora de série que usa sua voz rara com talento excepcional. Mesmo sendo o primeiro de uma série, que poderia guardar uma falha aqui ou um equívoco acolá, trata-se de é um disco completo. São 10 faixas com o que há de melhor na Música Popular Maranhense (MPM) produzida pelo gênio musical de César Teixeira, Chico Maranhão, Giordano Mochel, Sérgio Habibe e Josias Sobrinho. E todas genial e cuidadosamente embaladas com arranjos magistrais de Arlindo Pipiu cuja execução ficou aos cuidados do próprio e de instrumentistas de ponta. São poucos os documentos discográficos da MPM em que tudo é muito acima da média, diferenciados por uma voz tão diferenciada da sua protagonista.
“Vôos” não saiu de uma forma comum da produção musical, foi construído, peça por peça. Fátima Passarinho montou, ela própria, um repertório que daria peso e força a qualquer intérprete. Mas ela foi muito além de fazer um bom disco, que afirmasse o seu talento e o seu prestígio como cantora. Produziu um clássico. Conhecedora profunda da obra e da alma desses compositores, ele abraçou sucessos e garimpou pérolas mais discretas, guardadas no fundo do baú, mas que são suas caras. E deu a cada uma um tratamento especial, interpretando seus poemas com o tom de voz adequado, fugindo, com coerência, da tentação de exibir desnecessariamente os seus agudos impressionantes. Usou a versatilidade para encaixar sua voz em cada música, ou vice-versa.
Em “Cheguei garota”, por exemplo, Fátima Passarinho navega no grave para dar o peso que a toada de Chico Maranhão exige. Já no genial samba “Essas mal traçadas linhas”, de César Teixeira, a cantora dá o tom e o ritmo certos para mostrar a força da letra-poema. E em “Vestido Bordeaux”, Fátima Passarinho explora e esbanja todos os limites do seu talento e da sua voz especial, quase dando à canção a dimensão de uma ópera. E é assim em todas nas 10 faixas de “Vôos”, que se encerra com “Porco-Espinho”, uma das pérolas mais reverenciadas de Josias Sobrinho.
Na primorosa apresentação do disco, Lucia Lobato diz, com senso crítico e alguma poesia, que “Vôos” alça voz rara, mesclada com tonais líricos dentro de veias populares, inspiração de gente maranhense, da boa, que fala da sua terra, das alegrias e queixumes, poetando musicalidade. Seduz de pronto, aguçando o ´ouvir mais`, e quem não resiste sai dançando ou se balança sentado”. E completa, acertando na mosca: “Tudo é obra e arte na interpretação na menina morena, ares brejeiros, nomeada Passarinho pela voz de Deus”.
“Vôos”, enfim, não é um disco comum, daqueles que nascem, vivem por algum tempo e desaparece. Ao contrário, é uma obra de proa da arte musical, que pode até andar sumida, mas tem qualidade e brilho para se eternizar. É um disco para ter e ouvir sempre, para voar também.
AS MÚSICAS
Cheguei garota – Nesse primeiro voo, Fátima Passarinho dá leveza e suavidade a uma das pérolas com que o genial Chico Maranhão engrandece o universo mágico das toadas que embalam os batalhões da IIha. Fátima Passarinho surpreende os que a conhecem pelos agudos que sua voz única alcança e que são a sua marca mais evidente, para interpretar o sotaque de matraca sem falsetes nem tentativas de impor uma versão sua. Respeita, com personalidade, a estrutura original da toada, o que acaba por se tornar uma versão forte e não planejada, imensamente enriquecida pelos arranjos de Arlindo Pipiu, que respeitam a base original de Chico Maranhão e ganham reforço no violão, do violoncelo de Thallyta Oliveira e da flauta de Zezé Alves. Sem fazer qualquer esforço vocal, a cantora preserva a essência da música, mas dá outra dimensão a esse clássico junino de Chico Maranhão.
Santa Luzia, Santa Rita e Santa Fé – Neste segundo voo, uma canção-poema de Giordano Mochel, composta ainda nos anos 70, quando artistas de São Luís descobriram as belezas do litoral maranhense desbravando o Atlântico em lanchas como a Santa Fé, a Santa Rita e a Santa Luzia, Fátima Passarinho usa apenas a leveza natural da sua voz, sem fazer qualquer tentativa de alterar a força do poema. Também nessa interpretação ela afirma sua personalidade que respeita a estrutura da música, e o resultado é uma versão bela e sem sobressaltos e que valoriza a canção de Mochel na medida certa. A voz de Fátima Passarinho cresce ainda mais sob o arranjo magistral do violão de Arlindo Pipiu e do violino de Junior Gaiato.
Doidinho – Fátima Passarinho voa certo nesse belo e desconcertante chorinho do genial César Teixeira. A cantora encara o desafio com a tranquilidade de quem tem o dom de se encaixar em qualquer movimento nada previsível, como “o chorinho doidinho como numa gaiola feito passarinho”. A essa pérola, só construída por um talento com o César Teixeira, ganha na voz de Fátima Passarinho o polimento certo para o brilho ideal. E tão fora do comum como a estrutura e a interpretação de Fátima Passarinho são o violão de Arlindo Pipiu e o 7 Cordas de Domingos Santos, que dão a “Doidinho” o acompanhamento exigido por qualquer choro que se preze.
Do jeito que o diabo gosta – Nessa pérola de Sérgio Habibe e Raique Mackáu, que parece ter sido composta especialmente para ela mostrar seu talento e sua versatilidade como intérprete, Fátima Passarinho voa mais alto e solta a voz no seu agudo cortante. A embalagem melódica do belo poema de amor ganha densidade e dramaticidade quase teatral na interpretação de Fátima Passarinho, que dá tom e força a cada frase, como se estivesse no palco interpretando personagens. Os versos, a melodia, a força dramática da interpretação de Fátima Passarinho sem completam na tessitura dos arranjos de Arlindo Pipiu, fiel e belamente executados pelo maestro Hilton Assunção ao violão e Thallyta Oliveira ao violoncelo.
Nau Catarineta – O irretocável poema de César Teixeira, que fala de uma noite de um amor proibido numa perspectiva próxima ao realismo fantástico do realismo gabrielino, reforçado com o alerta aos amantes e a quem interessar possa que a Nau Catarineta, com suas tristezas e alegrias, está a caminho, ganha dramaticidade na medida certa na voz de Fátima Passarinho. Nesse voo, com a suavidade e o vigor adequados a cada verso, ela imprime beleza numa canção que exige muito do intérprete. No caso, a voz da talentosa intérprete ganha força com o arranjo primoroso de Arlindo Pipiu, que cuida das cordas (violão e baixo acústico).
Essas mal traçadas linhas – Mais um samba de primeiríssima qualidade da lavra de César Teixeira, um poema musicado ao qual Fátima Passarinho dá a dimensão certa com sua voz especial. E o trata mergulhando sem medo e com domínio absoluto no sempre desafiador sentimento que é a saudade, agora descoberto com a metafórica leitura de mãos por elas mesmas. Fátima Passarinho interpreta com fidelidade rigorosa a beleza desse poema, cantando-o com a elegância do que César Teixeira o escreveu. Tudo isso embalado pelos belos arranjos da flauta de Zezé Alves, pelo baixo acústico de Pipiu e pelo poderoso violão 7 Cordas de Domingos Assunção.
Madre-Deus – Fátima Passarinho dá vida nova a esse samba de Giordano Mochel, também avaliando que provavelmente nenhum outro traduziu a magia da Madre-Deus como esse samba de Mochel, composto em meados dos anos 70, quando a elite cultural de São Luís começou a compreender a importância da alma artística e boêmia daquele pedaço de São Luís, que tem a autenticidade de “outra nação”. Imprimindo o ritmo e a cadência certos, e embalada pelo eficiente 7 Cordas de Domingos Santos e pelo trombone comovente de Osmar do Trombone, Fátima Passarinho faz de Madre-Deus uma referência, uma marca.
Vestido Bordeaux – Parece que a dupla Sérgio Habibe-Raique Mackáu compuseram essa maravilha poético-sonora para que Fátima Passarinho pudesse explorar à vontade todas as sedutoras facetas da sua voz especial. Mais do que isso, em Vestido Bordeaux ela exubera o seu talento exibindo os mais diferentes vieses do seu canto, dando uma surpreendente aula de como uma cantora pode declamar um poema, imprimindo dose certa de dramaticidade a cada verso. Sua interpretação se torna mais tocante com a poderosa retaguarda dos acordes do violoncelo de Thallyta Oliveira.
Biana – Fátima Passarinho dá o tom certo na interpretação de mais esse poema musicado da safra produzida por Mochel no final dos anos 70. Motivada por um arranjo que começa com a força de uma densa e competente percussão afro do criativo Jeca e na cobertura forte do violoncelo de Thallyta Oliveira, Fátima Passarinho canta como se estivesse declamando num recital. Dá aos versos como “Se a linha é língua sobre o mar, marcam a vela…” a força dramática ideal.
Porco-Espinho – Na homenagem a Josias Sobrinho, Fátima Passarinho interpreta esse baião-arrochado, uma pérola que tem força de manifesto ecológico focado na fauna, com força e equilíbrio. Com acompanhamento simples, mas vigoroso, do cavaquinho de Chico Newman e da sanfona de Rui Mário, que serve de plataforma para a sua interpretação, Fátima Passarinho também é perfeita nesse voo e dá vida à genial aventura do reino animal de Josias Sobrinho, um clássico da MPM.
Vale registrar que além dos músicos já citados, deixaram suas marcas neste “Vôos” Jair Torres (violão de aço), Antonio Paiva (contrabaixo), Osmar do Trombone (trombone), Cleyston Moreira (flauta) e Pial (percussão).
Em Tempo: “Vôos” é o terceiro disco de uma série que visa registrar as impressões do colunista sobre registros do que há de melhor da MPM. O primeiro foi “Shopping Brazil”, a obra-manifesto de César Teixeira, e o segundo foi “Milhões de uns”, obra forte do craque de Joãozinho Ribeiro.
São Luís, 04 de Novembro de 2017.