Reforma política em debate: muitos discursos, poucas contribuições

 

 

marcelo castro
Marcelo Castro quer fim da reeleição
esperidião amin
Esperidião Amin prevê muita discussão

A Assembleia Legislativa foi palco ontem do que deveria ser um amplo e interessante debate sobre a reforma política, em evento que reuniu cinco deputados federais, um número expressivo de deputados estaduais, muitos vereadores de São Luís, além de um grande número de representantes de segmentos da sociedade organizada. Mediado pelo deputado federal José Carlos do PT, o evento foi organizado pela deputada Francisca Primo (PT), em parceria com o presidente da Câmara de São Luís, Astro de Ogum (PTN), e teve a participação de dois integrantes da comissão especial da reforma política na Câmara Federal, deputados Espiridião Amin (PP-SC) e Marcelo Castro (PMDB-PI).

Muito tempo foi perdido com discursos tolos, incoerentes e totalmente fora do contexto, quando o importante era debater o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 352, que começou a tramitar na Câmara Federal logo após os movimentos de rua que sacudiram o país em 2013. Mas o pouco que se falou a sério da reforma política em curso no Congresso Nacional validou o encontro e salvou as intervenções dos dois visitantes.

O deputado piauiense Marcelo Castro defendeu celeridade nos debates da reforma políca, sem que isso prejudique a participação da sociedade organizada no processo. Ele defende como sistema de votação o voto distrital misto, no qual uma parte da representação parlamentar é eleita por distritos e outra pelo voto nos partidos políticos. E exemplificou: no Maranhão, que tem 18 cadeiras na Câmara Federal, seriam criados nove distritos eleitorais, nos quais seriam eleitos nove deputados; os outros nove sairiam da votação geral, com base nos votos dados às agremiações partidárias. O pemedebista defendeu ainda mandato de cinco anos para todos os níveis, de presidente da República a vereador e a coincidência das eleições, com o fim da reeleição para prefeito, governador e presidente. Pregou o fim a suplência de senador com é hoje, e propôs que suplentes senatoriais sejam os três mais votados depois dos eleitos. “Se fizermos isso, em breve o Brasil será um país politicamente bem melhor”, declarou.

O deputado Espiridião Amin, por sua vez, destacou os cinco pontos que ele considera os mais importantes entre os que estão propostos na PEC 352. O primeiro é a coincidência de mandatos, que entende ser discutível, embora concorde que eleições de dois em dois anos é politicamente cansativo e muito caro para o país. O segundo é o fim da reeleição para cargos executivos, que ele também considera ser uma proposta que merece muita discussão. O terceiro é a adoção do voto distrital misto, que ele apelidou de “distritão” e que considera válido. O quarto é o financiamento público de campanha, que ele considera um assunto delicado e que portanto deve ser discutido à exaustão, dando a entender que não há crime no financiamento privado, a não ser quando a intenção do candidato e do doador é criminosa. E o  quinto é a adoção ou não do sistema de voto no partido e não no candidato, ou permanece como está – acha que este será um tema de difícil entendimento.

Prejudicada por intervenções que em nada contribuíram para o debate em o processo em si, o evento foi enriquecido por algumas intervenções que chamaram a atenção. A primeira delas foi a do presidente da Assembleia Legislativa em exercício, deputado Othelino Neto (PCdoB). Ele chamou atenção para a necessidade de que todos os pontos propostos e em discussão sejam encarados como controversos, com prós e contras, e que, em sua opinião, o debate deve ser cuidadoso, sem açodamento e levando em conta a realidade e a cultura do Brasil.

Os participantes do encontro ouviram também o vice-presidente da Câmara Federal, deputado Waldir Maranhão (PP), que viu no evento uma boa oportunidade para se defender da suspeita, levantada pelo procurador geral da República, Rodrigo Junot, de que teria sido beneficiado com dinheiro do esquema de corrupção na Petrobras para financiar sua campanha em 2014. Incluído na lista dos que serão investigados em inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Waldir Maranhão defendeu a reforma política.  Fez um discurso rápido em que  apoiou a reforma política por achar que, entre outros benefícios para o país, as mudanças vão evitar que figuras políticas tenham suas imagens maculadas como acontece com ele nesse momento. Garantiu que sairá da lista, por ser inocente, e indagou quem vai reparar o desgaste que está sofrendo e que para ele é irreparável.

O debate poderia ter sido bem mais proveitoso, mas apesar de tudo, valeu para colocar definitivamente a reforma política na pauta da Assembleia Legislativa, que a rigor já está tratando do assunto, mas não com a ênfase com que deveria. Sabe-se, de conversas informais, que a grande preocupação dos deputados estaduais é com o sistema de votação a ser adotado. A maioria abomina a adoção de listas e boa parte faz restrições ao Distritão.

 

PONTOS & CONTRAPONTOS

 

Momento de tensão

O debate sobre a reforma política realizado ontem na Assembleia Legislativa por pouco não foi  interrompido para um “acalmar de ânimos”. É que o deputado federal Espiridião Amin fez duras críticas à Ordem dos Advogados do Brasil, sendo rebatido de maneira igualmente dura pelo presidente da seccional maranhense, advogado Mário Macieira. Amin taxou a OAB de omissa e de não se envolver como deveria nas questões de fundo da vida política e institucional brasileira. Macieira reagiu e classificou de “mentiras” as afirmações do parlamentar catarinense, a quem acusou de fazer declarações “irresponsáveis”. O episódio, que não arranhou o evento, revelou o grau de tensão que está envolvendo a discussão da reforma política em meio a um país em crise. Uma intervenção firme do mediador, deputado José Carlos da Caixa, acalmou os ânimos, mas não sem antes o deputado Espiridião Amin fazer a seguinte declaração: “Não retiro nenhuma palavra que disse”.

 

Amizade com história

Os deputados João Castelo (PSDB) e Esperidião Amin trocaram abraço efusivo, ontem, na Assembleia Legislativa, durante o debate sobre a reforma política. Os dois cultivam amizade de longa data, que se estreitou mesmo em 1994. Naquele ano, Espiridião Amin, que tinha sido governador de Santa Catarina e exercia mandato de senador, se candidatou a presidente da República. Membro do grupo que deu suporte ao presidente Fernando Collor até a sua renúncia, Amin decidiu ter como vice uma mulher e, de preferência, nordestina. Sua escolha recaiu sobre a ex-primeira-dama do Maranhão, Gardênia Ribeiro Gonçalves, que tinha exercido o mandato de prefeita de São Luís de 1985 a1989. Carismática e muito respeitada, Gardênia Castelo, como ficou conhecida, aceitou o convite e percorreu o Brasil em campanha para vice-presidente da República. A eleição foi vencida por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), no 1º turno, com 34 milhões de votos, no embalo do Plano Real. A chapa Esperidião Amin/Gardênia Castelo ficou em 6º lutar, com 1,3 milhão de votos.

 

Elas em ação

Um dois momentos importantes do debate sobre a reforma política foram as várias intervenções de representantes de movimento de mulheres, que reivindicaram a inclusão na reforma de mecanismo que assegurem uma representação paritária dos gêneros nas casas parlamentares federais (Câmara Federal e Senado da República), estaduais (Assembleias Legislativas) e municipais (Câmaras Municipais). Na avaliação das vozes que se manifestaram sobre o tema, as mulheres ainda são discriminadas nas mais diferentes áreas de atuação – economia, cultura e política -, onde é marcante o predomínio masculino. E na seara política a participação da mulher ainda é tímida, mesmo com a regra segundo a qual os partidos devem reservar para mulheres pelo menos um terço das vagas de candidatos às eleições proporcionais. Todos concordaram. Resta esperar pela reforma propriamente dita.

 

Poder e MST I

Chamou a atenção o gesto do governador Flávio Dino de sair do Palácio dos Leões para misturar-se a um numeroso grupo de militantes do Movimento dos Sem Terra na Praça Pedro II. Político de esquerda e identificado com os movimentos sociais, Flávio Dino se sentiu à vontade, distribuiu abraços e aperto de mão e foi aplaudido. Fez lembrar o então governador Jackson Lago (PDT), que em 2007 também saiu do conforto do gabinete palaciano para de confraternizar com militantes do MST, que o “coroaram” com um boné, produzindo uma imagem que se tornou histórica. A relação de Jackson Lago com o MST se estreitou de tal maneira, que José Stédile foi transformado numa espécie de conselheiro do governador para essa área. Stédile esteve ao lado de Lago no dia em que ele foi cassado pelo TSE.

 

Poder e MST II

O primeiro governador maranhense a receber militantes do MST em frente ao Palácio dos Leões foi João Alberto, no início de uma noite de abril de 1990. Cerca de 500 militantes haviam chegado a São Luís para fazer uma manifestação contra o governo por causa de alguns conflitos de terra no estado. João Alberto mandou um emissário procurar os líderes e convidá-los a ir à sede do governo para conversar. Surpreso e desconfiado – naquela época o MST era satanizado -, um grupo de pelo menos 100 militantes liderados por ninguém menos que José Rainha, fundador e chefe maior do movimento, se deslocou para o Palácio dos Leões, onde chegou por volta das 20 horas. João Alberto e alguns assessores foram encontrá-los na entrada principal do palácio. Inicialmente tensa, a conversa evoluiu e em pouco tempo já havia sorriso e gestos de cortesia no ar. Ali mesmo, tendo os dois leões como testemunha, João Alberto e José Rainha acertaram uma pauta cujo ponto máximo aconteceu no dia seguinte, pela manhã, numa reunião no auditório do Palácio Henrique de La Rocque, com todos os militantes presentes, depois de se servirem de um café da manhã oferecido pelo governador. Durante seu curto governo, João Alberto manteve relacionamento equilibrado com o MST.

 

São Luís, 13 de Março de 2015

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