Haddad X Bolsonaro: vencedor terá de concertar o Brasil enquadrado nos limites das regras democráticas

 

Fernando Haddad e Jair Bolsonaro representam os extremos ideológicos que estão em voga no Brasil e vão testar a estabilidade da democracia brasileira

No dia 27 de Outubro, daqui a exatamente duas semanas, 147,3 milhões de cidadãos brasileiros, entre eles 4,5 milhões de maranhenses, voltarão às urnas para eleger, em segundo turno, pelo voto direto, secreto e universal, o futuro presidente do Brasil. A partir de agora, os eleitores devem refletir, medir, pesar, avaliar e, por fim, escolher entre Fernando Haddad, candidato do PT e que agora representa uma frente democrática de esquerda, e Jair Bolsonaro, candidato do PSL, que encarna politicamente todos os vieses da direita. Pela primeira vez, desde a redemocratização, os brasileiros estão se posicionando com cores ideológicas, ainda que de maneira enviesada, meio furta-cor, pagando preço alto por não terem produzido ainda uma cultura partidária na qual os segmentos sociais se agrupem em partidos identificados por ideologia, doutrina e programa.

Fernando Haddad e Jair Bolsonaro representam, ainda que toscamente, os dois espectros ideológicos. A candidatura do petista tem cara, nome, grupo, partido, fortes contradições e um programa voltado para o social. A candidatura do pslista é, até aqui, produto de um discurso de direita, que promete impor valores conservadores, armar a população contra bandidos, provocando a suspeita de que pretende mexer nas instituições e chacoalhar a estabilidade democrática em construção no País.

Não é de admirar que duas visões políticas tão antagônicas em choque num País mergulhado numa cruel crise econômica, que agrava problemas desafiadores como a segurança pública, por exemplo, e em busca de uma saída, desenhem um confronto que, a julgar pelos discursos, gerem um cenário de apocalipse. Afinal, mesmo com todos e indiscutíveis avanços recentes, a realidade a ser mudada envolve 13 milhões de desempregados e um estado de quase guerra civil no Rio de Janeiro, para citar apenas dois exemplos.

De um lado, uma corrente de esquerda moderada que tem um líder forte, o ex-presidente Lula da Silva, capaz de mobilizar milhões por conta dos anos de governo arrojado e renovador que comandou (2003/2010), mas que está condenado e preso sob acusações suspeitas e por causa das contradições que vieram depois com seu aval. Do outro, um militar que encarna o que há de mais conservador na direita e que, com um discurso em que mistura valores morais, matizes religiosos, patriotismo tosco,  enverga a fantasia de bom moço, honesto, dedicado à família, mas que ao mesmo tempo professa ódio visceral a comunista, usando argumentos que foram banidos das sociedades democráticas há décadas.

Fernando Haddad é advogado e professor universitário, com forte formação humanista e militante de uma esquerda moderada, que deu mostra de comprometimento com a democracia e com as causas sociais quando foi ministro da Educação nos dois Governos de Lula da Silva, e depois como prefeito de São Paulo, uma megalópole que encontrou em crise aguda e que transformou num laboratório de bons projetos urbanos. Limpo, honesto e movido por princípios, Fernando Haddad tornou-se uma das melhores – se não a melhor – referências do petismo, exatamente por andar na contramão dos outros líderes do partido, que atropelaram regras, caíram em desgraça e estão no limbo. Seu desafio é exatamente mostrar-se como expressão de outro PT, que cultiva valores e encara suas contradições. Fernando Haddad está politica e partidariamente  credenciado como candidato a presidir o Brasil.

Capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro entrou na política como deputado federal ainda nos anos 80 do século passado como braço político de oficiais e que, por intermédio deles, atraiu eleitores do Rio de Janeiro saudosos da ditadura militar. Ao longo de uma dezena de mandatos construiu uma imagem de durão, afeito a frases de efeito, causando controvérsias ao defender a tortura como método de arrancar confissão de preso político e o “fuzilamento de petralhas” num palanque no Acre. Todas as suas posições na Câmara Federal expressaram intenções polêmicas, de sentido antidemocrático, inclinação golpista, entre outros fatores de risco à democracia. Essa postura, associada a um antipetismo visceral, seduziu muitos brasileiros que, inconformados com os rumos que o País tomou,  passaram a vê-lo como o “salvador da Pátria”. Ao longo dos seus mandatos, teve atuação discreta, sempre trafegando no baixo clero e sem se destacar com ações legislativas concretas, como Projetos de Lei, por exemplo. Esse conjunto de traços rascunha o retrato do candidato a presidente que promete mudar o Brasil. Mas pelas regras, Jair Bolsonaro está formal e politicamente credenciado a disputar a presidência do Brasil.

Fernando Haddad e Jair Bolsonaro são produtos do Brasil. Foram eles que os brasileiros filtraram para fazer a escolha final. São resultado de ações políticas que, corretas ou questionáveis, se enquadraram nas regras democráticas que norteiam o País. O embate entre essas correntes, por mais duro e tenso que venha a ser nos próximos dias, dar-se-á sob a garantia do direito de expressão, não cabendo manifestações que levem a conflitos. Esse é um momento de teste para a democracia brasileira, de saber se ela garante a plenitude dos direitos que prevê. É hora de saber, enfim, se a democracia brasileira está consolidada, se as suas instituições são capazes de suportar um governo de qualquer matiz ideológico, com força para mandar para o quinto dos infernos o eleito que, pela direita ou pela esquerda, tentar agir como bandido político e aventurar-se em “autogolpe”, quartelada, ou impor qualquer rasura aos princípios democráticos elencados em cláusulas pétreas da Constituição Cidadã.

Os brasileiros têm pouco mais de 300 horas para escolher o caminho a seguir.

 

 PONTO & CONTRAPONTO

 

Flávio Dino mobiliza aliados para a campanha de Haddad no segundo turno no Maranhão

Flávio Dino mantém coerência ao mobilizar forças para apoiar Fernando Haddad, que venceu no primeiro turno

As forças lideradas pelo governador Flávio Dino, representadas principalmente por PCdoB, PDT, PPS e PSB, e mais o PT, apoiado pelo PSOL, estão se mobilizando para movimentar o eleitorado maranhense com o objetivo de, pelo menos, repetir o resultado da disputa presidencial no primeiro turno, quando o candidato do PT, Fernando Haddad, quase um desconhecido da grande maioria, venceu no estado com 61.26% dos votos contra 24,28% do  candidato do PSL, Jair Bolsonaro. Numa surpreendente demonstração de força do ex-presidente Lula da Silva, associada ao poder de fogo do governador Flávio Dino, Fernando Haddad venceu em 214 dos 217 municípios maranhenses, só perdendo em Imperatriz, Açailândia e São Pedro dos Crentes. O governador Flávio Dino escalou os senadores eleitos Weverton Rocha, que comanda o PDT no estado, e Eliziane Gama, a principal voz do PPS no Maranhão, e os deputados federais eleitos Bira do Pindaré, líder estadual do PSB, e Márcio Jerry, que comanda o braço maranhense do PCdoB, para, juntamente com alguns aliados, levar a campanha de Fernando Haddad a todos os recantos do território maranhense. O Palácio dos Leões avalia que, mesmo se tratando de uma nova eleição, o presidenciável do PT poderá repetir a performance alcançada no primeiro turno, agora reforçado pela possibilidade de herdar os votos dados a Ciro Gomes (PDT), já que a previsão é de que os 4,77% dados aos outros candidatos migrarão para o candidato do PSL. O governador sabe que será uma tarefa difícil, uma vez que o resultado do primeiro turno no País poderá causar mudanças no posicionamento do eleitorado estadual, mas acredita que o candidato do PT vencerá no Maranhão com expressiva maioria.

 

Roberto Rocha declarou apoio a Jair Bolsonaro, na contramão do PSDB

Roberto Rocha declara apoio a Jair Bolsonaro, na contramão da posição adotada pelo PSDB

Além da bolsonarista Maura Jorge (PSL), que terminou a corrida para o Governo do Estado com pouco mais de 7% dos votos, o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) contará na disputa do segundo turno no Maranhão com o senador Roberto Rocha (PSDB), que teve sua candidatura a governador sufragada por somente raquíticos 2%. Numa atitude surpreendente, e com um discurso em que fala de “novo” e “velho”, “presente” e “futuro” num intrigante jogo de palavras, Roberto Rocha entrou na contramão do seu partido, que decidiu manter-se neutro, e declarou apoio a Jair Bolsonaro, jurando que nada quer em troca. Para começar, a disputa Fernando Haddad e Jair Bolsonaro não é uma guerra entre velho e novo, mas um confronto de visões diferentes sobre o agora e o futuro imediato do Brasil. Depois, nenhum político, principalmente um senador da República de um partido de centro-direita, dá uma declaração de voto a um candidato a presidente “sem querer nada em troca”, apenas movido pelo desejo de se associar à “vontade do povo”. Política é a arte da troca, de conciliar interesses, e por mais que o senador Roberto Rocha negue, sua declaração sugere uma troca. A questão é saber se Jair Bolsonaro, que esnobou na sexta-feira o candidato tucano ao Governo de São Paulo, João Dória, tem interesse no apoio do senador Roberto Rocha.

São Luís, 14 de Outubro de 2018.

3 comentários sobre “Haddad X Bolsonaro: vencedor terá de concertar o Brasil enquadrado nos limites das regras democráticas

    1. Caro Abel Carvalho. Primeiro é uma honra tê-lo como leitor. Depois, informo-lhe, com base no nosso mestre Aurélio, que concertar- com C -, significa: Por em ordem, compor, ajustar, harmonizar, conciliar… No mais, agradeço o cuidado. Valeu.

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