Famem reage a discurso de Bolsonaro em meio à tensão nos municípios por causa do coronavírus

 

Erlânio começou agir há dez dias e já mandou um caminhão com álcool em gel para municípios

“Discurso estarrecedor”. Foi como a Federação dos Municípios do Maranhão (Famem) classificou a fala do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em cadeia nacional de rádio e TV, na noite de segunda-feira (24). Entidade representativa dos 217 municípios maranhenses, que abrigam 7,1 milhões de pessoas e cuja maioria dos prefeitos se prepara para as eleições de outubro, a Famem reagiu ao assombroso pronunciamento do presidente da República por meio de uma Carta Aberta (veja a íntegra em Ponto & Contraponto) à população, na qual dirigiu-lhe duras críticas, avaliando que ele “expressou sua insensibilidade com a gravidade da ameaça que ronda o mundo e aflige a todos indistintamente”. Presidida pelo prefeito de Igarapé Grande (11,3 mil habitantes), Erlânio Xavier (PDT), a Famem é o mais importante e efetivo canal de expressão dos prefeitos maranhenses, que nesse momento vivem a amarga expectativa da chegada da pandemia do coronavírus nos seus municípios.

Publicada 10 dias após a Famem ter entrado na luta contra o novo coronavírus, a Carta Aberta da Famem sobre o discurso do presidente Jair Bolsonaro surpreendeu pelo tom da crítica, indicando que a entidade endossou, por exemplo, o posicionamento do governador Flávio Dino (PCdoB), que vem disparando duras críticas à postura presidencial em relação às ações dos governadores contra o coronavírus, em especial, a medida de confinamento social, o que na sua opinião “vai quebrar a economia”. O comando da Famem destaca vários “pontos de insensatez” na fala presidencial, avaliando que o presidente, “além de afrontar a ciência, demonstrou um egoísmo desmesurado”.

Além da crítica contundente às explosivas palavras do presidente da República, a manifestação chama a atenção para o fato de que Famem está antenada com o contexto da crise, e preocupada com o estrago que a Covid-19 pode fazer no interior do Maranhão se medidas sanitárias, como o isolamento social da população, por exemplo, forem relaxadas, como quer o presidente da República. O presidente da entidade, que comanda um município pequeno, sabe o tamanho da encrenca os prefeitos enfrentarão se o coronavírus se espalhar sem controle no interior, onde os serviços de saúde são precários, apesar dos gigantescos esforços feitos pelo atual Governo nesta área.

Envolvido com as fortes chuvas que têm castigado o interior do Maranhão, a Famem só entrou na briga contra a pandemia do coronavírus no dia 15 de março, há 10 dias, portanto, quando seu comando compreendeu que os municípios estavam diante de uma ameaça grave. No dia 17, data em que o governador Flávio Dino baixou as primeiras medidas sociais duras para conter a onda virótica, a Famem anunciou que estava orientando os gestores municipais a adotarem medidas preventivas contra a pandemia, sugerindo que decretassem Estado de Emergência em Saúde. No dia 18, na esteira das decisões do Governo do Estado, a Famem suspendeu o atendimento direto ao público por tempo indeterminado.

No dia 19, em meio ao aumento das tensões por conta do avanço do coronavírus, o presidente da Famem anunciou a decisão de pedir ao governador Flávio Dino a proibição, por decreto, da entrada no estado de ônibus interestaduais vindos de estados onde já com casos confirmados de Covid-19. Na mesma data, atendendo a pedido da entidade, o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Nonato Lago, prorrogou por 30 dias – de 02/04 para 02/05 – o prazo para apresentação de contas referente ao exercício de 2019. Na mesma data, a Famem instalou um Comitê de Crise, que logo no dia 20 recebeu a tarefa de coordenar a distribuição de kits de álcool em gel doados pela entidade aos municípios.

Cada vez mais ciente da gravidade do problema, o presidente Erlânio Xavier encaminhou, no dia 21, ofício ao Governo do Estado pedindo o reforço da fiscalização e do controle do fluxo de pessoas entre as cidades. De lá para cá, o presidente da Famem e sua equipe têm se mantido em prontidão. A Carta avaliando duramente o discurso do presidente Jair Bolsonaro não reflete posição unânime dos associados da Famem, mas é o que pensa a larga maioria dos prefeitos do Maranhão e do País.

 

PONTO & CONTRAPONTO

 

Em Carta, Famem diz que presidente da República foi insensível e egoísta

A Carta Aberta à população com a posição da Famem em relação ao discurso do presidente Jair Bolsonaro tem o seguinte teor:

O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na noite desta terça-feira, 24, foi estarrecedor. Como chefe da Nação e corresponsável pelo destino de milhões de brasileiros, Bolsonaro expressou sua insensibilidade com a gravidade da ameaça que ronda o mundo e aflige a todos indistintamente. Além de afrontar a ciência, o presidente demonstrou um egoísmo desmesurado.

Membros da realeza e os mais vulneráveis entre os cidadãos estão sendo alvejados pelo novo coronavírus na pandemia que deslocou o eixo da Terra neste século, mexendo nas relações econômicas, pessoais e até mesmo na esperança do homem no porvir.

Vários pontos de insensatez pontilharam o discurso do presidente. O mais contundente deste é a discordância da recomendação legitimada entre autoridades transnacionais da saúde que orbitam na Organização Mundial de Saúde sobre o isolamento social. A eficácia da medida está sendo evidenciada pelos países em que o avanço da Covid-19 está dentro da racionalidade e controle.

O presidente precisa se conscientizar do seu papel de chefe de estado, correspondendo à autoridade que lhe conferiram os tantos votos que o elegeram em um processo democrático que reconhecemos como legítimo.

Nós, como prefeitos que lidamos diretamente com os cidadãos cotidianamente sabemos das carências nutricionais e do estágio da saúde pública deste país, combalida pelo sub financiamento e sobrecarga nas costas das administrações municipais. Funcionamos como esteio desta sociedade de carências, muitas vezes cumprindo além do papel institucional que nos compete na esfera administrativa. Somos verdadeiros atletas sociais, sempre dispostos a vencer desafios em prol dos munícipes.

Ao presidente Jair Bolsonaro reivindicamos que este cumpra sua função constitucional no estado de direito democrático e contenha seus arroubos pessoais extravagantes.  Como cidadãos de fé, temos plena consciência do destino final. Porém, estaremos sempre imbuídos da construção de um presente melhor como garantia do amanhã.

Federação dos Municípios do Estado do Maranhão

 

Sem preparo, Bolsonaro se perde no embate com governadores preparados

Jair Bolsonaro reclama, mas ele próprio antecipa confronto com João Dória, Wilson Witzel e Flávio Dino

Os ataques e contra-ataques de das últimas 48 horas entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores confirma pelo menos uma afirmação do incontrolável chefe da Nação: a pandemia do coronavírus antecipou a disputa eleitora de 2022. Mas o que chama a atenção é o fato de que ele tenta acusar os governadores de agirem como pré-candidatos a presidente, mas está mais do que claro que quem está em pré-campanha aberta é ele próprio, que dedica boa parte do seu tempo nas redes sociais a alimentar a sua tropa de choque virtual. Que o governador paulista João Dória (PSDB), o fluminense Wilson Witzer (PSC) e o nosso Flávio Dino (PCdoB) têm planos para chegar ao Palácio do Planalto, isso é público, notório e legítimo. Os três são políticos, estão legitimados pelas urnas e têm todo o direito de planejar seu futuro pensando no Palácio do Planalto. Nada impede também o presidente investir no projeto de reeleição. A diferença é que os governadores estão trabalhando bem e conquistaram autoridade política para criticar o comportamento grotesco do presidente, o qual, ao contrário, demonstra, a cada episódio, que não tem estatura para ocupar o cargo para o qual foi legitimamente eleito.

São Luís, 26 de Março de 2020.

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