Em tempo de crise e irracionalidade, um rasgo de sensatez

 

 

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Bresser Pereira, uma voz sensato

O Brasil vive um momento de crise e tensão. De um lado, por causa das dificuldades econômicas, em parte consequência do descontrole das contas públicas, causado pela falta de cuidados do governo no que respeita a gastos. De outro, uma forte tensão política, desdobramento da situação econômica, da renhida disputa eleitoral e da crise moral que vem minando o governo com britadores como o megaescândalo de corrupção na Petrobras. As forças políticas do país se movem em três frentes: os desdobramentos do chamado “petrolão”, os problemas provocados pela crise econômica e a necessidade urgente de uma reforma política que acabe, por exemplo, com o financiamento de campanha eleitoral por empresas privadas . E nesse contexto de debates, no qual se pede até impeachment da presidente Dilma Rousseff, são poucas as vozes que usam a isenção e o equilíbrio para colocar as coisas nos seus devidos lugares. Na sua edição de quarta-feira, a sessão “Tendências/Debates” do jornal Folha de S. Paulo, publicou um rasgo de bom senso feito pelo economista e professor universitário Luiz Carlos Bresser Pereira, que foi ministro da Fazenda no Governo Sarney e ministro da Administração e Reforma do Estado e de Ciência e Tecnologia no Governo Fernando Henrique Cardoso. Leia, na íntegra, o sensato e oportuno artigo do ex-ministro:

 

Além do ajuste, um acordo político

 

Luiz Carlos Bresser Pereira

A economia brasileira está semiestagnada se analisarmos no longo prazo. Desde 1980, o crescimento per capita é inferior a 1%, contra 4,1%, entre 1950 e 1979. No curto prazo, há também uma crise porque em 2014 não houve crescimento e hoje o país está entrando em recessão.

Não devemos, entretanto, exagerar a dimensão da crise econômica de curto prazo. O desempenho do governo Dilma, afinal, foi semelhante ao do governo FHC, e o de Lula só foi melhor porque se beneficiou de um boom das commodities.

Já a crise política que o governo Dilma enfrenta neste começo de segundo mandato é grave. Não é uma crise de Estado, cujas instituições estão fortes, mas de governo, porque, além de ter perdido apoio na sociedade civil –onde os ricos pesam mais–, perdeu popularidade.

Os erros econômicos e políticos cometidos pela presidente, somados à violenta queda no preço das commodities, ajudam a explicar a sua perda de popularidade.

A explicação fundamental, no entanto, está na hegemonia ideológica do conservadorismo liberal, que dá à crise econômica de curto prazo uma dimensão que ela não tem, que acusa a presidente de “estelionato” eleitoral porque ela está fazendo o que tem que fazer e que procura vinculá-la ao escândalo da Petrobras sem qualquer fundamento.

Felizmente, a democracia está consolidada no Brasil. São as instituições do Estado brasileiro que estão desvendando e processando os escândalos que se sucedem. O último dos quais –e de longe o mais custoso para a nação–, a quadrilha descoberta na Receita Federal, vem de longe e não envolve políticos, apenas empresas e funcionários.

Como informou Elio Gaspari nesta Folha, durante o período de Guido Mantega no Ministério da Fazenda os acordos criminosos entre empresas e funcionários “foram combatidos e gente séria estima que, se a taxa de malandragens era de 70%, hoje estaria em 30%”.

O que fazer diante da crise política? Continuar a dar ênfase à falta de controle do governo sobre sua base aliada, principalmente o PMDB? Para quê? Para confirmar o que o governo está com grande dificuldade de governar? Continuar a promover manifestações de rua para mostrar indignação contra a corrupção? Para mostrar falta de apoio ao governo? Para gritar “fora Dilma”?

É, então, o golpe de Estado que se quer? Para obrigar Dilma a trair seus princípios e se submeter à política liberal e dependente que a oposição defende? Está claro que a presidente tem limitações e cometeu erros, mas é uma mulher corajosa e dotada de forte espírito público, que não trai seus princípios.

É óbvio que não é por aí que se enfrentará e que se resolverá a crise política atual, que inviabiliza o governo e prejudica o país. Dado que a democracia está consolidada no Brasil, e se nada for feito, teremos quatro anos de pouco governo.

A prioridade hoje é resolver a crise econômica de curto prazo, mas o ajuste fiscal que se impõe já está sendo feito. Apesar disso, não nos enganemos, o ajuste não resolverá a semiestagnação de longo prazo.

Para superá-la o Brasil precisa de um pacto político que faça a crítica da alta preferência pelo consumo imediato e que faça com que a taxa de câmbio passe a flutuar em torno do equilíbrio competitivo, eliminando a grande desvantagem que está desindustrializando o país.

Isso significa que o pacto não deve dar a vitória ao liberalismo dependente de direita, que é, por definição, incapaz de resolver esse problema estrutural, nem insistir em um desenvolvimentismo de esquerda avesso ao lucro das empresas, que também fracassou em lograr a retomada do desenvolvimento.

Esse grande acordo político deve ser desenvolvimentista porque é defensor de uma inserção competitiva na economia mundial, e não de uma inserção subordinada. Deve ser de centro, em vez de direita ou de esquerda, porque não deve dar preferência nem aos trabalhadores nem aos empresários.

Deve ter como pressuposto a rejeição do populismo cambial, o que caracteriza a política econômica brasileira desde 1994. Deve ser um acordo que garanta câmbio e lucro satisfatórios para os empresários, emprego e salários aumentando com a produtividade para os trabalhadores, e taxa de juros internacional para os rentistas.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 80, é professor emérito de economia, teoria política e teoria social da FGV. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (governo FHC)

 

 

 

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